LAMPEJOS DE UM NORDESTINO

Eu tenho muita saudade

Das coisas do meu Sertão:

Das toadas, dos repentes,

Numa festa de São João,

Do aboio de vaquejada,

Da seresta dedilhada

Nas cordas de um violão!

Do arrasta-pé no salão,

Da batida do pandeiro,

Do toque duma sanfona

Embelezando um terreiro.

Do “triângo” tilintando,

Dos foguetes pipocando,

Na festa do padroeiro.

O brilho do candeeiro,

Esperando o alvorecer.

E o forró, melhorando,

Se começava a chover.

A poeira, então, baixava;

No suor se misturava

Era aquele bel-prazer!

Dava gosto de se ver

Uma noite enluarada!

Escutar os passarinhos

Gorjeando na alvorada!

E bandos de borboletas

Mil cores e mil facetas,

Na paisagem abençoada!

A novidade esperada,

A vizinha fofoqueira.

O “causo”, tão bem contado,

De graciosa maneira!

Histórias de esplendor,

Contadas só por amor

À Cultura Catingueira!

Estrondar da cachoeira,

Presente da Natureza!

Despejando suas águas,

Formando, assim, correnteza,

Que molha o chão da campina,

Que embeleza a colina,

Mas que deixa a mata ilesa.

Aquela fogueira acesa

Sempre, ao vento, crepitando!

Suas faíscas de fogo

Pelo ar se espalhando.

E o povo, em volta dela,

Dizendo e ouvindo balela

Dos casais se enamorando.

Se o dia vinha raiando,

Um belo cocoricó!

Era o galo, no poleiro,

Temperando o seu gogó.

Era o relógio acertado,

Do galo bom, bem-criado,

No quintal de Seu Jacó.

Pescaria no igapó,

De tarrafa ou de puçá.

Na proa da goiabeira,

O canto de um sabiá.

Festa do Bumba Meu Boi

E os sapos, no “foi-não-foi”,

Na lagoa de Tauá!

Ouvindo ali, acolá,

No rádio, uma canção.

No alto daquela serra,

Paca tem, cotia, não!

No pôr do Sol, o vaqueiro,

Num aboio derradeiro,

Zela o gado do patrão.

No amanhecer, Torreão,

Nordeste, no entardecer.

São ventos que sopram forte,

Pro cristão reconhecer

Que precisa orar com fé

Pra Deus mandar São José

De novo, fazer chover!

Bem antes do escurecer

Vem a chuva prometida,

Alegrando a passarada,

Deixando a terra florida.

O roceiro, mais contente,

No solo pondo a semente,

Sinal de fartura e vida!

Toda a gente reunida

Pra novena de Maria!

Uma grande procissão,

O povo inteiro seguia.

Pelas ruas caminhando,

E, em voz alta, rezando

O Terço do Nono dia.

Lá na chapada se ouvia

O cantar de um gavião

Provocando o seu rival,

Um carcará ou cancão.

Num piar de bom rompante,

Em voo certo e rasante,

Expulsava-o do grotão.

E, num poleiro, o capão,

Seu canto já retinindo!

Vermelho, Sol, no horizonte,

Tão belo ia surgindo!

Boi mugindo no curral,

O bode berrando igual,

Era a vida, se exibindo!

Orvalho se extinguindo,

Perante os raios solares.

Borboletas coloridas

Pousavam pelos pomares.

A relva, espalhando olor,

E o mais lindo beija-flor

Volteando pelos ares!

Felicidade nos lares:

Renovava-se a esperança!

Outro ano que chegava

Com a bem-aventurança!

Os fiéis se abraçavam;

Eles se congratulavam,

Prevendo paz e bonança!

Mas, num sopro, o tempo avança.

Ai que saudade me dá!

Lembranças que vou levando

Dos tempos que vivi lá.

É como diz o poeta:

A saudade me inquieta,

Desde que eu fugi pra cá!

O eco do carcará

Lá no alto da colina.

Fuzuê de periquitos,

Em bandos, pela campina.

O canarinho-da-terra,

Solitário, lá na serra,

Cantando e cumprindo a sina!

Eu, vivendo essa rotina,

Tinha a oportunidade

De aproveitar, sem malícia,

A fase da puberdade.

Assim, o tempo passava

E nele eu mergulhava

A minha ingenuidade.

E veio a tal mocidade,

Se achegando de mansinho.

Vim-me embora do Sertão,

Que foi ficando sozinho.

Ele, triste, ficou lá.

E eu, chorando, de cá,

Cada pedra, cada espinho.

Lembrança de passarinho

Que enfeitavam meu céu.

Chorado as margens de um rio

Que, limpo, corria ao léu.

Saudade vem e se aninha,

Como uma triste andorinha,

Na aba do meu chapéu.

A balada do xexéu

Emoldurando o sertão.

O Seu Doutor, de bengala,

Numa roda de ancião,

Relatando as travessuras,

Suas loucas aventuras

Com o bando de Lampião!

Reisado ou apartação,

Futebol e vaquejada!

O carnaval e a novena,

Serenata ou batucada!

O compasso era um só:

Em sendo reza ou forró,

Era até de madrugada!

Vizinhança na calçada,

Mexericos na aldeia,

Difamando moça rica,

Falando da vida alheia!

O Vigário, o Sacristão,

Delegado de plantão

Também entravam na peia.

Em tempo de lua cheia

O suspense era geral:

A noite do lobisomem

Silenciava o arraial.

Quando a lua assim surgia,

Ninguém de casa saía,

Medo sobrenatural.

Festa boa no arraial,

De São Pedro, a devoção!

Maracatu e ciranda,

Santo Antônio e São João!

Zabumba, forró e pandeiro,

Talento de sanfoneiro:

-- Rasga o fole, Gonzagão!

Cultura da região?

Por exemplo, vou citar:

A digna mulher rendeira

Na arte a se projetar!

Vivendo de fazer rendas,

As mais verdadeiras prendas

Que o Nordeste vem lhe dar.

Repentista popular

Tradicional “Violeiro”,

Executando seus motes

Com talento verdadeiro.

No meio de qualquer praça

Mostra o ar de sua graça,

No verso certo e ligeiro!

O belo boi, mandingueiro,

O bom cavalo alazão,

Festejos e romarias

Do Padre Cíço Romão!

Folias e pastoradas,

Pegas de bois, vaquejadas,

São “a cara do Sertão”!

Serenata, violão,

Belas noites de luar.

A toada da cigarra,

A crendice popular.

O Saci e a benzedeira

O Caipora, a parteira

São coisas do meu lugar.

Eu nunca deixei de amar

Esse pedaço de chão!

Do meu querido Nordeste

Eu levo a recordação

Mesmo dele estando ausente

Ele sempre está presente

Dentro do meu coração.

Cantei, assim meu Torrão!

Hoje em dia, na verdade,

Indo e vindo, nesta vida,

Com minha terra querida,

Onde estiver, sou saudade!

Menino, em minha cidade,

Encontrei o meu caminho.

No Cordel eu fiz carreira,

Do bom verso sou vizinho!

E o Nordeste me ensinou

Ser a flor, sem ter espinho!

FIM.

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 04/10/2018
Código do texto: T6467892
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