A VINGANÇA PROIBIDA DO CANGACEIRO CHICO PEREIRA

A palavra empenhada

Por um bravo sertanejo

Tem severidade e estar

Acima de um desejo.

Desde quando foi jurada,

Já não pode ser quebrada,

Seja qual for o ensejo.

Em meu sertão nordestino

Sempre teve e ainda tem

Os seus códigos de honra;

Não é segredo a ninguém.

Aqui, vingança de morte

Já existe e fala forte

Desde os tempos do vintém.

O caso Chico Pereira,

Popular regionalmente,

Não poderia ter sido

De maneira diferente:

Ao pai tendo prometido

Não se vingar do ocorrido,

Não foi o suficiente.

Vamos aos fatos reais

Presentemente em memória,

Como tudo aconteceu

Nessa dura trajetória.

Ao leitor peço atenção

Para a breve narração,

Contida nessa história.

Em meados de setembro

De vinte e dois, era o ano.

Lá no século passado,

Em solo paraibano,

Uma família de porte

É sentenciada à morte,

Num golpe vil e tirano.

Perto de Nazarezinho,

Distrito sousense, outrora,

Convivia João Pereira,

Filhos e sua senhora.

Fazenda Jacu, reduto

Do homem bom, resoluto,

Como tantos mundo afora.

Esse senhor fazendeiro,

Popular na região,

Mantinha na redondeza,

Bem sortido barracão

Onde eram comerciados

Produtos bem variados

Pra toda a população.

Uma tarde, João Pereira,

Logo prestes a fechar

A casa comercial,

Que era, também, um bar,

Viu entrarem três sujeitos,

Bem armados e suspeitos,

No seu modesto bazar.

E João, quando os atendeu,

Chamou-lhes logo a atenção,

Pois eles portavam armas,

E havia proibição.

Uma Lei Municipal

Não permitia, afinal,

Armas em qualquer salão.

Os homens não aceitaram,

Bate-boca se gerou.

Covardemente um deles

A sua arma sacou.

Depressa, a faca tiniu,

A bala, sem dó, zuniu,

Aí o tempo se fechou.

Por uns bons vinte minutos

Esse combate durou.

Com cheiro ruim de morte,

A fumaça esvoaçou.

O senhor Coronel João,

Ferido na confusão,

Perto da morte ficou.

Para a casa da fazenda

Depressa foi carregado.

Estirado em uma rede,

Ele assim foi transportado.

A vila em peso rezava

Nas mãos de Deus entregava

O líder do povoado.

Entre a vida e a morte

Ficara o Coronel João.

Perante toda a família,

Ele implorava perdão.

Quase sem voz, se engasgando,

Aos filhos foi suplicando:

— Por favor... Vingança, não!

Ao dizer estas palavras,

Fortemente suspirou.

Tentou dizer outra frase,

Porém a voz lhe faltou.

Nessa hora derradeira,

Olhou para a companheira

E sua vida findou.

A morte do Coronel

O povoado chorava.

Ao filho mais velho, então,

A vingança estimulava.

Já que a polícia local,

Na busca do marginal,

Nem um querer demonstrava.

Quase todo o povoado

Já estava enfurecido.

Exigia da justiça

Que prendesse o envolvido

Que era um tal de Zé Dias,

Que vivia às regalias,

Pela Lei bem assistido.

Mil boatos circulavam

Já por todos os locais:

O assassino Zé Dias,

Se achava feliz demais!

No seu cafofo escondido,

Acoitado e protegido

Por ordem dos maiorais.

Porém, o filho mais velho,

De nome Chico Pereira,

Que tinha vinte e dois anos,

De vida boa e faceira,

Viu-se logo pressionado:

Vingar-se logo o finado,

De toda e qualquer maneira!

De escutar tanta pressão

Chico, então, não aguentou.

Foi para a delegacia,

Sua queixa registrou.

Disse para o delegado:

— Eu vim aqui decretado

Porque meu pai implorou.

Com a reivindicação

Chico Pereira seguia.

Outra vez disse: — Doutor,

Entenda minha agonia:

O povo todo me atiça,

Mas não vou fazer justiça,

Pois pai não aprovaria.

Ouvi o que papai disse

Bem antes de falecer.

Disse ele: “Vingança, não!”,

Esse foi o seu querer.

Para a Lei sigo apelando,

O caso lhe confiando

Mas.... Cumpra com o seu dever!

O delegado assustou-se

E pra Chico respondeu:

— Nem sei como começar

Diante do que se deu.

O sertão é muito vasto,

Caatinga nunca foi pasto,

É pouco o alcance meu!

E logo Chico Pereira

Do local se retirou.

E sai muito constrangido

Do diálogo que escutou.

Percebeu que o delegado

Não estava interessado

Em nada do que falou.

A pressão continuava

Toda pra Chico Pereira.

O povo do vilarejo,

Feito mosca-varejeira,

Zumbindo, a lhe atiçar,

Querendo vê-lo impetrar

A vingança matadeira.

Diante dessa cobrança,

Chico prontamente sai

À procura de Zé Dias

Muito furioso, ele vai.

Assim fazendo, ele agia

Onde a Lei se omitia:

Justiça para o seu pai.

Encontrando o assassino,

O leva à delegacia.

E, nas mãos do delegado,

O entrega, no mesmo dia.

Pelo povo é aplaudido,

Também foi enaltecido

Pelo ato de valentia.

Serenara o coração,

Do pai fez sua vontade.

Preso estava o criminoso,

Como queria a cidade.

Pensou: - missão realizada,

Já chega dessa toada,

Filho sem fidelidade.

Chega a hora da verdade:

Com Zé Dias na prisão,

Toda cidade de Sousa,

Como toda a região,

Ia conhecer o autor,

O mandante, promotor

Do assassinato de João.

Zé Dias, lá na cadeia,

Na certa iria falar,

Delatando os poderosos,

Os que só sabem mandar.

Mediante confissão

Assinada na prisão,

O culpado ia pagar.

Porém, depois de alguns dias,

Ocorreu o inesperado:

Nas horas mortas da noite,

Zé Dias foi libertado.

A notícia se espalhou

E o povo, então, comentou:

— É coisa do delegado!

E, diante da soltura

Desse infame criminoso,

O povo de imediato,

Em ato tempestuoso,

Exige a Chico Pereira

Que tomasse a dianteira,

Matasse o monstro horroroso.

Chico Pereira ficou

Amarrado pé e mão:

Cumprir o rogo do pai

Já não era mais questão.

Diante dessa cobrança,

Ele parte pra vingança,

Pela tal provocação.

Parte em busca do rival,

Já deslembrando o pedido.

Para a súplica do pai

Ele não dá mais ouvido.

Na espreita de Zé Dias,

Ele fica noites frias

Pelas moitas, escondido.

E nessa altura dos fatos,

Movido pela emoção,

Sua vontade era ver

Zé Dias em um caixão.

Mesmo sendo a contragosto,

Encontrava-se disposto

A caçá-lo, no sertão.

Na tocaia sentou posto

E firme permanecia,

Sempre atento a cada passo

De quem vinha e de quem ia.

Com sua arma empunhada,

Pra mira direcionada,

Nem a pestana batia.

Alguém já se aproximava,

Chico fica logo atento.

Leve e solto e faceiro,

No maior desleixamento.

Era o carrasco Zé Dias,

Que, sob tais garantias,

Caminhava a passo lento.

Fazendo o sinal da cruz,

A arma nele mirou.

Com um tiro bem certeiro,

No chão Zé Dias tombou.

Mediante a emboscada,

Naquela encruzilhada

Sua desforra selou.

Morto ali ficou Zé Dias,

Exposto naquele chão,

Braços abertos ao solo

Feito cruz de procissão.

Do peito o sangue golfava

E na terra se espalhava,

Avermelhando o sertão.

De arma empunhada, Chico

De onde estava desceu,

Dirigiu-se até ao corpo,

Conferindo o feito seu.

Ante o ato praticado,

Encomendou o finado,

Depois desapareceu.

Mas, infelizmente, alguém

Zé Dias morto encontrou.

A notícia, em todo canto,

De pronto já circulou.

O povo da região

Já sabia, de antemão,

Quem, finalmente, o matou.

Chico busca pela mãe,

Com emoção lhe confessa:

— Minha mãe, sou assassino —

Para ela assim professa!

Fizeram-me criminoso,

De papai, o seu esposo,

Quebrei a sua promessa.

Aos pés dela se ajoelha,

Suplicando seu perdão.

Com os olhos rasos d’água

Rogava compreensão.

Disse: — Mamãe, só eu sei

O quanto me esforcei,

Mas não tive outra opção.

A culpa é mais da polícia

Pela postura tomada.

Pedi ajuda à justiça,

Mas a mesma não fez nada.

Quando de mim debocharam,

Ao abismo me empurraram,

A rota estava traçada.

Deixei o réu nas mãos dela,

Pra não ter impunidade.

O povo testemunhou

Toda minha integridade.

A cidade me aplaudia

Quando o criminoso ia

Já perdendo a liberdade.

A vontade de papai

Foi a Lei quem descumpriu.

Numa porta, entrei com Zé,

Mas, por outra, ele saiu.

Agora, sou procurado,

Do que fiz, só sou “culpado”,

Porque a Lei se omitiu.

Chico abriu seu coração

Para a mãe, suavemente.

E ela, muito tranquila,

Escutava atentamente,

Para logo perceber

Que o que ele tinha a dizer

Era sofrido e urgente.

Admitia que a vida

Adotava outro sentido.

A partir do mesmo instante

Do ato ter cometido,

Ele já não era mais um

Cidadão livre e comum

Mas, da Lei, um foragido.

Lenço preto no pescoço

E luto no coração,

A tiracolo, embornal,

Cartucheira e munição,

Chapéu de couro estrelado,

Nas caatingas embrenhado,

Tal qual fosse Lampião.

Em solo paraibano,

A sua fama crescia.

Desde Sousa ao Piancó

Seu feito repercutia:

Era o tema do momento

Tido por mau elemento,

Pela sua rebeldia.

Brigando com a polícia,

Regendo o seu batalhão,

O nome Chico Pereira

Começava a ganhar chão.

Soldado, cabo e tenente

Caçavam-no ferozmente,

Para vê-lo na prisão.

Apesar de tais problemas,

Da vida tumultuada,

Atiçava os corações

De solteira e de casada.

Entretanto, uma somente,

Jovem, bela, adolescente,

Foi, pra ele, a sua amada.

Eles, então, ficam noivos,

Mas não tomam liberdade,

Pois a donzela só tinha

Doze anos de idade.

Sabendo quem ele era,

Mesmo assim ela o espera

Toda a sua mocidade.

A jovem adolescente

Chamava-se Jardelina

E decidiu se casar,

Apesar de ainda menina.

Aos quatorze de idade,

Jura ao Chico lealdade,

Sabendo de sua sina.

Realiza-se o casório

Simples, sem exibição,

E na Matriz de Pombal,

Para selar a união

De Chico com Jardelina,

Que, devido à triste sina,

Casam por procuração.

Três varões muito saudáveis

Dessa união são gerados,

Poucas vezes eles eram

Pelo seu pai visitados.

A mãe cuidava do lar,

E ele, sempre a lutar

Nas caatingas e cerrados.

Com apenas dezessete,

Ainda na tenra idade,

Jardelina conheceu

Precoce a maternidade.

Ela, além de mãe fiel,

Ainda assume o papel

Também da paternidade.

O nome Chico Pereira,

Como deu o que falar,

Fez com que os seus rivais

Começassem a tramar.

Satisfeitos não estavam,

No direito se achavam

De exigir e pressionar.

Também outros poderosos

Tomam pra si a questão

E vão às delegacias,

Pra fazer imposição.

Sem rodeio ou brincadeira,

Querem ver Chico Pereira

Apodrecer na prisão.

Mas, por fim, Chico Pereira

Finalmente é absolvido.

Da justiça paraibana

Estava desimpedido.

No seu estado natal

Era cidadão normal,

Deixou de ser foragido.

Então seus opositores

Ficaram inconformados.

Tentam reverter o caso,

Contudo, são derrotados,

Pois o juiz da comarca

Desdenha a classe monarca

E os autos são arquivados.

Chico Pereira acabara

De ganhar a liberdade.

A justiça paraibana

O devolve à sociedade.

No entanto, em outro estado,

Estava sendo acusado

Com muita ferocidade.

O Rio Grande do Norte

Era o estado acusatório.

No município de Sousa

Surgiu esse falatório.

Chico desconsiderou,

Mesmo porque não pisou

Jamais nesse território.

Dessa infame acusação

Ele alegava inocência.

O boato circulava,

Alardeando a urgência.

Chico logo concluiu,

Aos rivais atribuiu

A denúncia, a indecência.

Apesar de Chico estar

Na Paraíba instalado,

Protegido pela lei,

Terminou capturado.

Para o Rio Grande do Norte,

Por certo crime de morte,

Deveria ser julgado.

E Chico, assim, foi entregue

À justiça potiguar.

No sertão paraibano,

Foi o que se ouviu falar.

Os seus rivais, em folia,

Soltam urros de alegria,

Por ele preso ficar!

A família está perplexa,

Ao saber dessa prisão.

Fica a pergunta no ar:

— Onde estava a proteção?

A resposta é contundente:

— A proteção, simplesmente,

Não passava de armação.

A inesperada prisão

Seus parentes contestaram

E Abdias, seu irmão,

Logo, a Natal, enviaram.

A fim de apurar os fatos,

E trazer em seus relatos,

O teor do que alegaram.

Quando Abdias retorna,

A família quer saber.

— Por que prenderam o Chico?

O que se pode fazer? —

Todos, pois, ficam atentos

Para os esclarecimentos

Que ele tinha a dizer.

— O caso é preocupante,

Esclarece o narrador. —

Dizem que foi um assalto

Que houve no interior

Do Rio Grande do Norte,

Episódio feio e forte

E Chico seria o autor.

E este assalto se deu,

Foi lá na Serra Rajada,

Nas terras do Coronel,

O Seu Quincó da Ramada!

O lugar fica abalado,

Na boca do povoado,

A ação foi criticada.

Esse Coronel Quincó,

Estimado fazendeiro,

Chefe bom e venerável,

Também muito hospitaleiro.

Na vizinhança, afamado,

Nas eleições, acatado,

Por ser homem de dinheiro.

Não mataram o Coronel,

Mas faltaram com respeito.

Invadiram sua casa,

Levaram tudo no peito.

Ele agora, poderoso,

Exige, pra o criminoso,

Justiça, de qualquer jeito!

Descreve assim Abdias

O motivo da prisão.

Do mano Chico Pereira

Naquela jurisdição

Do Rio Grande do Norte,

Onde detalhou sem corte

A sina de seu irmão.

A família desconfiou

Que havia algo de errado.

A acusação alegada

Era pretexto arrumado.

Para tirar ele dessa,

Teriam de agir depressa,

Com um bom advogado.

Sugeriram Café Filho,

Das Leis um conhecedor.

Na capital potiguar

Era um famoso doutor.

E perante esse contexto,

A família, sem pretexto,

Aprova esse defensor.

O doutor João Café Filho,

Além de advogar,

Era também jornalista

Na capital potiguar.

Tudo o que lá se passava

Sem temor denunciava

Na Coluna Popular.

Mesmo sofrendo ameaças,

Ele fazia questão

De apontar a polícia

Com todo o seu escalão.

Tivesse “rabo amarrado”,

Dançava cabo ou soldado,

Coronel ou capitão.

O escalão, nem aí,

Mesmo sendo apontado,

Por crimes e por torturas,

Pelo jornal delatado.

Porém o que era pior:

Desde recruta a major,

Ninguém era justiçado!

Diante dessa notícia

De policiais malvados,

Os familiares de Chico

Ficaram preocupados.

Ele corria perigo

Ali, naquele jazigo,

Com outros encarcerados.

No presídio de Natal

Chico ficou enjaulado,

Esperando o julgamento,

Sem ser do crime o culpado,

Sem saber, de antemão,

Qual era a contravenção

De que ele era acusado.

Para os seus familiares

Um aviso ele enviou.

Prevendo o dia do júri,

Desse modo se expressou:

“Atesto minha inocência,

Mesmo assim, rogo clemência

Àquele que me acusou”.

Seu povo não recebeu

Dele o menor recado.

Nem o dia e nem a hora,

Nem onde ia ser julgado.

Enquanto isso, em Natal,

Um plano baixo e brutal

Já estava sendo armado.

Finalmente chega o dia

De Chico se ver “julgado”.

Para a Vila do Acari,

Ele saiu escoltado.

Foi por esses elementos:

Um tenente, três sargentos

Mais um cabo e um soldado.

Tenente Joaquim, de Moura

Comandava a diligência.

Café Filho, ao saber disso,

Quis barrar a transferência.

Pois sabia muito bem:

Seu cliente era um refém,

À mercê da violência.

O doutor João Café Filho

Ficou muito preocupado,

Pois pressentia no ar

Que algo ia dar errado.

Precisava logo agir!

Decidiu, então, seguir

O seu cliente escoltado.

Mas, logo, alguém intercepta,

Corta a sua decisão.

E vai dizendo: — Doutor,

O senhor preste atenção:

Se seguires o adjunto,

Tu serás mais um defunto,

Na lista deste escalão.

Pois essa tal “diligência”

Vai matar o seu cliente.

Está tudo preparado,

Ninguém fica pra semente!

O senhor conhece bem,

Hoje mais do que ninguém,

A fama desse tenente.

Nessa hora, Café Filho

Recuou da decisão.

O alerta que recebera

Era cheio de razão.

Para a sua garantia,

Esperou nascer o dia

Pra seguir com a questão.

E, na calada da noite,

O Chico foi transferido

Pra comarca do Acari,

Onde “iria ser ouvido”.

Porém, quem o conduzia

O que fazer já sabia,

Portanto, estava instruído.

Café Filho estava pronto

Para seguir seu roteiro

Quando foi interceptado

Ali, por um mensageiro,

Um portador que o chama,

Entrega-lhe um telegrama

E afasta-se ligeiro.

Ao ler, então, a mensagem,

Ele fica estarrecido,

Abestado e sem ação,

Branco, empalidecido!

O bilhete malfadado

Trazia o comunicado

Que Chico havia morrido.

O carro tinha “virado”,

Com ele e essa brigada,

Batendo em um barranco

E capotando na estrada!

Fora um “trágico acidente”,

Que se deu precisamente

Ao nascer da alvorada.

A notícia, então, se espalha

Tal qual fumaça no espaço.

Corre no sertão afora,

Causando estardalhaço.

Parte da população

Suspeita da explicação

Em meio a tanto embaraço.

Falatório muito forte

Corre todo cafundó!

Foi crime premeditado

Sem misericórdia ou dó!

Um grande impacto criou,

Além disso, envergonhou

O povo do Seridó.

O escândalo se instala

No Rio Grande do Norte.

As pessoas questionavam

A “virada” do transporte:

— É claro que é mentira!

Um carro cheio, que “vira”,

Mas que causa uma só morte? ...

A polícia de Natal

Permanecia calada.

E sobre Chico Pereira

Fingia não saber nada.

Lamentava sua sorte

Na “virada” do transporte

E no desastre da estrada.

Mas a notícia da morte

Do nosso Chico Pereira

Causava repercussão

De uma a outra fronteira.

Até um seu oponente

Lamentou sinceramente

Ao saber da desgraceira.

O doutor João Café Filho

À família reportou,

Dando os pêsames a todos,

Um chamado ele enviou.

Pedia com muita urgência

Alguém vir à sua agência

No lugar que ele indicou.

E este chamado urgente

Pra família era enviado,

Marcando, assim, o encontro

No endereço indicado.

A mãe de Chico Pereira

À noite, foi, bem certeira,

Em busca do advogado.

Ela encontra esse doutor

No endereço combinado.

Ele conta o sucedido

Como se deu o atentado.

Ali, tim-tim, por tim-tim,

Do princípio até o fim,

E do presente ao passado.

— Senhora Maria Egilda,

Por favor, preste atenção:

O boletim de ocorrência

Que está na vossa mão

É história inventada,

E muito bem calculada,

Tem nome de “armação”.

Eu posso lhe garantir

Que tudo foi planejado.

De morte muito cruel

Foi seu filho executado

E por gente perigosa

Em cilada sigilosa,

Num acidente forjado.

Em cada palavra dita,

Muito atenta ela ficava,

Da barbárie do episódio

Que Café Filho narrava.

Ainda muita abatida,

Uma lágrima sentida

Na face dela brotava.

O véu da morte cobria

O lar do clã dos Pereira.

Outra vez uma luz negra

Fazia-se companheira,

Sombria e temerosa,

Para a família chorosa,

Como foi da vez primeira.

Teve, então, Dona Maria,

A confirmação da morte

Do filho que muito amava,

Lá no Rio Grande do Norte.

Os boatos circulavam

E os jornais confirmavam

Sua sina, triste sorte.

Café Filho acrescentou

Que ela corria perigo.

Evitasse transitar

Nas terras do inimigo.

Reforçou o advogado:

— Senhora, tome cuidado,

Escute o que eu lhe digo.

A mãe de Chico Pereira

Para a casa retornou

Muito triste, transtornada,

Do relato que escutou.

Do drama do filho seu

Ela sabe o que sofreu,

O quanto se lamentou.

E, de volta ao seu lar,

Para a família relata

A maldade dessa gente

Que, sem piedade, mata.

Se dizem “policiais”,

Mas são meros marginais

De um poder psicopata.

— É triste pra todos nós —

Ela, aos prantos se queixou. —

Já se foi o meu marido,

Pouco tempo se passou.

Agora é Chico que vai

Seguindo a sina do pai,

Só o véu negro restou.

A pobre mãe se lamenta,

Por sua dor sem igual.

E, de coração ferido,

Roga ao Pai Celestial

Aliviar a tortura,

Minorar sua amargura,

Levando-a pro funeral.

Pois nem mesmo o próprio filho

Teve direito a enterrar.

Com o alerta do doutor,

Achou melhor recuar.

No silêncio da oração,

Para ele pede o perdão:

— Deus lhe dê um bom lugar.

Esse escândalo foi forte,

Às vésperas do julgamento,

Pois o réu não chega vivo

Para dar seu depoimento.

Aquela luz matutina,

Surgindo atrás da colina,

Reluz seu último momento.

Foi perto de Currais Novos,

Km cento e setenta e sete,

O carro ali estaciona,

Réu sai da camionete.

E com as mãos para trás

Amarradas, aliás,

Já entra no cassetete.

O comando prosseguia

Batendo, sem compaixão.

Sem direito à defesa,

Debaixo de bofetão,

Aquele preso algemado

Simplesmente é executado,

Sem justiça e sem perdão.

Surraram até à morte,

A golpes de carabina.

Estilhaçaram-lhe a face,

Deixando só a ruína.

Exterminada a presa,

Era atingida a proeza

Da caravana assassina.

Lamenta o povo, nas feiras,

Sua dolorosa morte,

Porque ninguém acredita

Na “virada do transporte”.

O que vale, na verdade,

É a tal da impunidade,

Que comanda a nossa sorte.

No ano de vinte e oito,

No nascer da alvorada,

Perece Chico Pereira,

De morte premeditada.

Vinte e oito de outubro

Sob um céu vermelho-rubro,

Uma cruz foi levantada.

A cruz era o distintivo

Desse ato vil e incréu

Impetrado por mãos sádicas,

Debaixo da luz do céu.

Comitiva desvairada

Que, ao nascer da alvorada,

Erguia ali seu troféu.

Chico Pereira só tinha

Vinte e oito de idade.

Portanto, ainda gozava

Sua plena mocidade.

Foi réu politicamente,

E pereceu inocente,

Ao buscar a liberdade.

Ele, jurando inocência,

A “justiça” o condenou.

Quando ele pediu ajuda,

A Lei também sonegou.

E, ficando sem opção,

Movido pela emoção,

Sua desforra tirou.

Foi um crime encomendado

Para contentar barões,

Os coronéis da política,

Os imortais dos sertões,

Senhores capitalistas,

Reais imperialistas,

Fingindo ser bons patrões.

Réu de criminalidade

Em solo nunca pisado,

Pelo ódio de políticos,

Chico fica encarcerado.

Serviu, assim, de cobaia

Pro escorpião, pra lacraia

Do “poder” mal praticado.

Desde o primeiro momento

Que a justiça o renegou,

Aquele homem pacato

Um outro ser se tornou,

Pois o camponês ordeiro

Era agora cangaceiro

Em que a Lei o transformou.

Pereira foi obrigado

Cavalgar na bandoleira.

Traído pela justiça

Age de sua maneira:

Vinga a morte de seu pai,

Sem rédea e destino sai,

Cantando “Mulher Rendeira”.

Chico Pereira buscou

De essa rota desviar.

Muita gente, assim, o viu

Pra justiça se humilhar.

Por ela foi enganado,

Sendo de um crime acusado

Sem o mesmo praticar.

É de praxe no sertão

A justiça que ele fez.

Todos têm o seu momento,

Ele teve a sua vez.

Buscou a linha mais certa,

Mas, em vez da porta aberta,

Só topou insensatez.

Finalizo a narrativa

Ao sabor da emoção

Deste trágico episódio

Que marcou o meu sertão.

Imerso em trama cruel,

Transcrevi para o Cordel,

Com pesar no coração.

FIM.

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 02/11/2018
Código do texto: T6493144
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