A VINGANÇA PROIBIDA DO CANGACEIRO CHICO PEREIRA
A palavra empenhada
Por um bravo sertanejo
Tem severidade e estar
Acima de um desejo.
Desde quando foi jurada,
Já não pode ser quebrada,
Seja qual for o ensejo.
Em meu sertão nordestino
Sempre teve e ainda tem
Os seus códigos de honra;
Não é segredo a ninguém.
Aqui, vingança de morte
Já existe e fala forte
Desde os tempos do vintém.
O caso Chico Pereira,
Popular regionalmente,
Não poderia ter sido
De maneira diferente:
Ao pai tendo prometido
Não se vingar do ocorrido,
Não foi o suficiente.
Vamos aos fatos reais
Presentemente em memória,
Como tudo aconteceu
Nessa dura trajetória.
Ao leitor peço atenção
Para a breve narração,
Contida nessa história.
Em meados de setembro
De vinte e dois, era o ano.
Lá no século passado,
Em solo paraibano,
Uma família de porte
É sentenciada à morte,
Num golpe vil e tirano.
Perto de Nazarezinho,
Distrito sousense, outrora,
Convivia João Pereira,
Filhos e sua senhora.
Fazenda Jacu, reduto
Do homem bom, resoluto,
Como tantos mundo afora.
Esse senhor fazendeiro,
Popular na região,
Mantinha na redondeza,
Bem sortido barracão
Onde eram comerciados
Produtos bem variados
Pra toda a população.
Uma tarde, João Pereira,
Logo prestes a fechar
A casa comercial,
Que era, também, um bar,
Viu entrarem três sujeitos,
Bem armados e suspeitos,
No seu modesto bazar.
E João, quando os atendeu,
Chamou-lhes logo a atenção,
Pois eles portavam armas,
E havia proibição.
Uma Lei Municipal
Não permitia, afinal,
Armas em qualquer salão.
Os homens não aceitaram,
Bate-boca se gerou.
Covardemente um deles
A sua arma sacou.
Depressa, a faca tiniu,
A bala, sem dó, zuniu,
Aí o tempo se fechou.
Por uns bons vinte minutos
Esse combate durou.
Com cheiro ruim de morte,
A fumaça esvoaçou.
O senhor Coronel João,
Ferido na confusão,
Perto da morte ficou.
Para a casa da fazenda
Depressa foi carregado.
Estirado em uma rede,
Ele assim foi transportado.
A vila em peso rezava
Nas mãos de Deus entregava
O líder do povoado.
Entre a vida e a morte
Ficara o Coronel João.
Perante toda a família,
Ele implorava perdão.
Quase sem voz, se engasgando,
Aos filhos foi suplicando:
— Por favor... Vingança, não!
Ao dizer estas palavras,
Fortemente suspirou.
Tentou dizer outra frase,
Porém a voz lhe faltou.
Nessa hora derradeira,
Olhou para a companheira
E sua vida findou.
A morte do Coronel
O povoado chorava.
Ao filho mais velho, então,
A vingança estimulava.
Já que a polícia local,
Na busca do marginal,
Nem um querer demonstrava.
Quase todo o povoado
Já estava enfurecido.
Exigia da justiça
Que prendesse o envolvido
Que era um tal de Zé Dias,
Que vivia às regalias,
Pela Lei bem assistido.
Mil boatos circulavam
Já por todos os locais:
O assassino Zé Dias,
Se achava feliz demais!
No seu cafofo escondido,
Acoitado e protegido
Por ordem dos maiorais.
Porém, o filho mais velho,
De nome Chico Pereira,
Que tinha vinte e dois anos,
De vida boa e faceira,
Viu-se logo pressionado:
Vingar-se logo o finado,
De toda e qualquer maneira!
De escutar tanta pressão
Chico, então, não aguentou.
Foi para a delegacia,
Sua queixa registrou.
Disse para o delegado:
— Eu vim aqui decretado
Porque meu pai implorou.
Com a reivindicação
Chico Pereira seguia.
Outra vez disse: — Doutor,
Entenda minha agonia:
O povo todo me atiça,
Mas não vou fazer justiça,
Pois pai não aprovaria.
Ouvi o que papai disse
Bem antes de falecer.
Disse ele: “Vingança, não!”,
Esse foi o seu querer.
Para a Lei sigo apelando,
O caso lhe confiando
Mas.... Cumpra com o seu dever!
O delegado assustou-se
E pra Chico respondeu:
— Nem sei como começar
Diante do que se deu.
O sertão é muito vasto,
Caatinga nunca foi pasto,
É pouco o alcance meu!
E logo Chico Pereira
Do local se retirou.
E sai muito constrangido
Do diálogo que escutou.
Percebeu que o delegado
Não estava interessado
Em nada do que falou.
A pressão continuava
Toda pra Chico Pereira.
O povo do vilarejo,
Feito mosca-varejeira,
Zumbindo, a lhe atiçar,
Querendo vê-lo impetrar
A vingança matadeira.
Diante dessa cobrança,
Chico prontamente sai
À procura de Zé Dias
Muito furioso, ele vai.
Assim fazendo, ele agia
Onde a Lei se omitia:
Justiça para o seu pai.
Encontrando o assassino,
O leva à delegacia.
E, nas mãos do delegado,
O entrega, no mesmo dia.
Pelo povo é aplaudido,
Também foi enaltecido
Pelo ato de valentia.
Serenara o coração,
Do pai fez sua vontade.
Preso estava o criminoso,
Como queria a cidade.
Pensou: - missão realizada,
Já chega dessa toada,
Filho sem fidelidade.
Chega a hora da verdade:
Com Zé Dias na prisão,
Toda cidade de Sousa,
Como toda a região,
Ia conhecer o autor,
O mandante, promotor
Do assassinato de João.
Zé Dias, lá na cadeia,
Na certa iria falar,
Delatando os poderosos,
Os que só sabem mandar.
Mediante confissão
Assinada na prisão,
O culpado ia pagar.
Porém, depois de alguns dias,
Ocorreu o inesperado:
Nas horas mortas da noite,
Zé Dias foi libertado.
A notícia se espalhou
E o povo, então, comentou:
— É coisa do delegado!
E, diante da soltura
Desse infame criminoso,
O povo de imediato,
Em ato tempestuoso,
Exige a Chico Pereira
Que tomasse a dianteira,
Matasse o monstro horroroso.
Chico Pereira ficou
Amarrado pé e mão:
Cumprir o rogo do pai
Já não era mais questão.
Diante dessa cobrança,
Ele parte pra vingança,
Pela tal provocação.
Parte em busca do rival,
Já deslembrando o pedido.
Para a súplica do pai
Ele não dá mais ouvido.
Na espreita de Zé Dias,
Ele fica noites frias
Pelas moitas, escondido.
E nessa altura dos fatos,
Movido pela emoção,
Sua vontade era ver
Zé Dias em um caixão.
Mesmo sendo a contragosto,
Encontrava-se disposto
A caçá-lo, no sertão.
Na tocaia sentou posto
E firme permanecia,
Sempre atento a cada passo
De quem vinha e de quem ia.
Com sua arma empunhada,
Pra mira direcionada,
Nem a pestana batia.
Alguém já se aproximava,
Chico fica logo atento.
Leve e solto e faceiro,
No maior desleixamento.
Era o carrasco Zé Dias,
Que, sob tais garantias,
Caminhava a passo lento.
Fazendo o sinal da cruz,
A arma nele mirou.
Com um tiro bem certeiro,
No chão Zé Dias tombou.
Mediante a emboscada,
Naquela encruzilhada
Sua desforra selou.
Morto ali ficou Zé Dias,
Exposto naquele chão,
Braços abertos ao solo
Feito cruz de procissão.
Do peito o sangue golfava
E na terra se espalhava,
Avermelhando o sertão.
De arma empunhada, Chico
De onde estava desceu,
Dirigiu-se até ao corpo,
Conferindo o feito seu.
Ante o ato praticado,
Encomendou o finado,
Depois desapareceu.
Mas, infelizmente, alguém
Zé Dias morto encontrou.
A notícia, em todo canto,
De pronto já circulou.
O povo da região
Já sabia, de antemão,
Quem, finalmente, o matou.
Chico busca pela mãe,
Com emoção lhe confessa:
— Minha mãe, sou assassino —
Para ela assim professa!
Fizeram-me criminoso,
De papai, o seu esposo,
Quebrei a sua promessa.
Aos pés dela se ajoelha,
Suplicando seu perdão.
Com os olhos rasos d’água
Rogava compreensão.
Disse: — Mamãe, só eu sei
O quanto me esforcei,
Mas não tive outra opção.
A culpa é mais da polícia
Pela postura tomada.
Pedi ajuda à justiça,
Mas a mesma não fez nada.
Quando de mim debocharam,
Ao abismo me empurraram,
A rota estava traçada.
Deixei o réu nas mãos dela,
Pra não ter impunidade.
O povo testemunhou
Toda minha integridade.
A cidade me aplaudia
Quando o criminoso ia
Já perdendo a liberdade.
A vontade de papai
Foi a Lei quem descumpriu.
Numa porta, entrei com Zé,
Mas, por outra, ele saiu.
Agora, sou procurado,
Do que fiz, só sou “culpado”,
Porque a Lei se omitiu.
Chico abriu seu coração
Para a mãe, suavemente.
E ela, muito tranquila,
Escutava atentamente,
Para logo perceber
Que o que ele tinha a dizer
Era sofrido e urgente.
Admitia que a vida
Adotava outro sentido.
A partir do mesmo instante
Do ato ter cometido,
Ele já não era mais um
Cidadão livre e comum
Mas, da Lei, um foragido.
Lenço preto no pescoço
E luto no coração,
A tiracolo, embornal,
Cartucheira e munição,
Chapéu de couro estrelado,
Nas caatingas embrenhado,
Tal qual fosse Lampião.
Em solo paraibano,
A sua fama crescia.
Desde Sousa ao Piancó
Seu feito repercutia:
Era o tema do momento
Tido por mau elemento,
Pela sua rebeldia.
Brigando com a polícia,
Regendo o seu batalhão,
O nome Chico Pereira
Começava a ganhar chão.
Soldado, cabo e tenente
Caçavam-no ferozmente,
Para vê-lo na prisão.
Apesar de tais problemas,
Da vida tumultuada,
Atiçava os corações
De solteira e de casada.
Entretanto, uma somente,
Jovem, bela, adolescente,
Foi, pra ele, a sua amada.
Eles, então, ficam noivos,
Mas não tomam liberdade,
Pois a donzela só tinha
Doze anos de idade.
Sabendo quem ele era,
Mesmo assim ela o espera
Toda a sua mocidade.
A jovem adolescente
Chamava-se Jardelina
E decidiu se casar,
Apesar de ainda menina.
Aos quatorze de idade,
Jura ao Chico lealdade,
Sabendo de sua sina.
Realiza-se o casório
Simples, sem exibição,
E na Matriz de Pombal,
Para selar a união
De Chico com Jardelina,
Que, devido à triste sina,
Casam por procuração.
Três varões muito saudáveis
Dessa união são gerados,
Poucas vezes eles eram
Pelo seu pai visitados.
A mãe cuidava do lar,
E ele, sempre a lutar
Nas caatingas e cerrados.
Com apenas dezessete,
Ainda na tenra idade,
Jardelina conheceu
Precoce a maternidade.
Ela, além de mãe fiel,
Ainda assume o papel
Também da paternidade.
O nome Chico Pereira,
Como deu o que falar,
Fez com que os seus rivais
Começassem a tramar.
Satisfeitos não estavam,
No direito se achavam
De exigir e pressionar.
Também outros poderosos
Tomam pra si a questão
E vão às delegacias,
Pra fazer imposição.
Sem rodeio ou brincadeira,
Querem ver Chico Pereira
Apodrecer na prisão.
Mas, por fim, Chico Pereira
Finalmente é absolvido.
Da justiça paraibana
Estava desimpedido.
No seu estado natal
Era cidadão normal,
Deixou de ser foragido.
Então seus opositores
Ficaram inconformados.
Tentam reverter o caso,
Contudo, são derrotados,
Pois o juiz da comarca
Desdenha a classe monarca
E os autos são arquivados.
Chico Pereira acabara
De ganhar a liberdade.
A justiça paraibana
O devolve à sociedade.
No entanto, em outro estado,
Estava sendo acusado
Com muita ferocidade.
O Rio Grande do Norte
Era o estado acusatório.
No município de Sousa
Surgiu esse falatório.
Chico desconsiderou,
Mesmo porque não pisou
Jamais nesse território.
Dessa infame acusação
Ele alegava inocência.
O boato circulava,
Alardeando a urgência.
Chico logo concluiu,
Aos rivais atribuiu
A denúncia, a indecência.
Apesar de Chico estar
Na Paraíba instalado,
Protegido pela lei,
Terminou capturado.
Para o Rio Grande do Norte,
Por certo crime de morte,
Deveria ser julgado.
E Chico, assim, foi entregue
À justiça potiguar.
No sertão paraibano,
Foi o que se ouviu falar.
Os seus rivais, em folia,
Soltam urros de alegria,
Por ele preso ficar!
A família está perplexa,
Ao saber dessa prisão.
Fica a pergunta no ar:
— Onde estava a proteção?
A resposta é contundente:
— A proteção, simplesmente,
Não passava de armação.
A inesperada prisão
Seus parentes contestaram
E Abdias, seu irmão,
Logo, a Natal, enviaram.
A fim de apurar os fatos,
E trazer em seus relatos,
O teor do que alegaram.
Quando Abdias retorna,
A família quer saber.
— Por que prenderam o Chico?
O que se pode fazer? —
Todos, pois, ficam atentos
Para os esclarecimentos
Que ele tinha a dizer.
— O caso é preocupante,
Esclarece o narrador. —
Dizem que foi um assalto
Que houve no interior
Do Rio Grande do Norte,
Episódio feio e forte
E Chico seria o autor.
E este assalto se deu,
Foi lá na Serra Rajada,
Nas terras do Coronel,
O Seu Quincó da Ramada!
O lugar fica abalado,
Na boca do povoado,
A ação foi criticada.
Esse Coronel Quincó,
Estimado fazendeiro,
Chefe bom e venerável,
Também muito hospitaleiro.
Na vizinhança, afamado,
Nas eleições, acatado,
Por ser homem de dinheiro.
Não mataram o Coronel,
Mas faltaram com respeito.
Invadiram sua casa,
Levaram tudo no peito.
Ele agora, poderoso,
Exige, pra o criminoso,
Justiça, de qualquer jeito!
Descreve assim Abdias
O motivo da prisão.
Do mano Chico Pereira
Naquela jurisdição
Do Rio Grande do Norte,
Onde detalhou sem corte
A sina de seu irmão.
A família desconfiou
Que havia algo de errado.
A acusação alegada
Era pretexto arrumado.
Para tirar ele dessa,
Teriam de agir depressa,
Com um bom advogado.
Sugeriram Café Filho,
Das Leis um conhecedor.
Na capital potiguar
Era um famoso doutor.
E perante esse contexto,
A família, sem pretexto,
Aprova esse defensor.
O doutor João Café Filho,
Além de advogar,
Era também jornalista
Na capital potiguar.
Tudo o que lá se passava
Sem temor denunciava
Na Coluna Popular.
Mesmo sofrendo ameaças,
Ele fazia questão
De apontar a polícia
Com todo o seu escalão.
Tivesse “rabo amarrado”,
Dançava cabo ou soldado,
Coronel ou capitão.
O escalão, nem aí,
Mesmo sendo apontado,
Por crimes e por torturas,
Pelo jornal delatado.
Porém o que era pior:
Desde recruta a major,
Ninguém era justiçado!
Diante dessa notícia
De policiais malvados,
Os familiares de Chico
Ficaram preocupados.
Ele corria perigo
Ali, naquele jazigo,
Com outros encarcerados.
No presídio de Natal
Chico ficou enjaulado,
Esperando o julgamento,
Sem ser do crime o culpado,
Sem saber, de antemão,
Qual era a contravenção
De que ele era acusado.
Para os seus familiares
Um aviso ele enviou.
Prevendo o dia do júri,
Desse modo se expressou:
“Atesto minha inocência,
Mesmo assim, rogo clemência
Àquele que me acusou”.
Seu povo não recebeu
Dele o menor recado.
Nem o dia e nem a hora,
Nem onde ia ser julgado.
Enquanto isso, em Natal,
Um plano baixo e brutal
Já estava sendo armado.
Finalmente chega o dia
De Chico se ver “julgado”.
Para a Vila do Acari,
Ele saiu escoltado.
Foi por esses elementos:
Um tenente, três sargentos
Mais um cabo e um soldado.
Tenente Joaquim, de Moura
Comandava a diligência.
Café Filho, ao saber disso,
Quis barrar a transferência.
Pois sabia muito bem:
Seu cliente era um refém,
À mercê da violência.
O doutor João Café Filho
Ficou muito preocupado,
Pois pressentia no ar
Que algo ia dar errado.
Precisava logo agir!
Decidiu, então, seguir
O seu cliente escoltado.
Mas, logo, alguém intercepta,
Corta a sua decisão.
E vai dizendo: — Doutor,
O senhor preste atenção:
Se seguires o adjunto,
Tu serás mais um defunto,
Na lista deste escalão.
Pois essa tal “diligência”
Vai matar o seu cliente.
Está tudo preparado,
Ninguém fica pra semente!
O senhor conhece bem,
Hoje mais do que ninguém,
A fama desse tenente.
Nessa hora, Café Filho
Recuou da decisão.
O alerta que recebera
Era cheio de razão.
Para a sua garantia,
Esperou nascer o dia
Pra seguir com a questão.
E, na calada da noite,
O Chico foi transferido
Pra comarca do Acari,
Onde “iria ser ouvido”.
Porém, quem o conduzia
O que fazer já sabia,
Portanto, estava instruído.
Café Filho estava pronto
Para seguir seu roteiro
Quando foi interceptado
Ali, por um mensageiro,
Um portador que o chama,
Entrega-lhe um telegrama
E afasta-se ligeiro.
Ao ler, então, a mensagem,
Ele fica estarrecido,
Abestado e sem ação,
Branco, empalidecido!
O bilhete malfadado
Trazia o comunicado
Que Chico havia morrido.
O carro tinha “virado”,
Com ele e essa brigada,
Batendo em um barranco
E capotando na estrada!
Fora um “trágico acidente”,
Que se deu precisamente
Ao nascer da alvorada.
A notícia, então, se espalha
Tal qual fumaça no espaço.
Corre no sertão afora,
Causando estardalhaço.
Parte da população
Suspeita da explicação
Em meio a tanto embaraço.
Falatório muito forte
Corre todo cafundó!
Foi crime premeditado
Sem misericórdia ou dó!
Um grande impacto criou,
Além disso, envergonhou
O povo do Seridó.
O escândalo se instala
No Rio Grande do Norte.
As pessoas questionavam
A “virada” do transporte:
— É claro que é mentira!
Um carro cheio, que “vira”,
Mas que causa uma só morte? ...
A polícia de Natal
Permanecia calada.
E sobre Chico Pereira
Fingia não saber nada.
Lamentava sua sorte
Na “virada” do transporte
E no desastre da estrada.
Mas a notícia da morte
Do nosso Chico Pereira
Causava repercussão
De uma a outra fronteira.
Até um seu oponente
Lamentou sinceramente
Ao saber da desgraceira.
O doutor João Café Filho
À família reportou,
Dando os pêsames a todos,
Um chamado ele enviou.
Pedia com muita urgência
Alguém vir à sua agência
No lugar que ele indicou.
E este chamado urgente
Pra família era enviado,
Marcando, assim, o encontro
No endereço indicado.
A mãe de Chico Pereira
À noite, foi, bem certeira,
Em busca do advogado.
Ela encontra esse doutor
No endereço combinado.
Ele conta o sucedido
Como se deu o atentado.
Ali, tim-tim, por tim-tim,
Do princípio até o fim,
E do presente ao passado.
— Senhora Maria Egilda,
Por favor, preste atenção:
O boletim de ocorrência
Que está na vossa mão
É história inventada,
E muito bem calculada,
Tem nome de “armação”.
Eu posso lhe garantir
Que tudo foi planejado.
De morte muito cruel
Foi seu filho executado
E por gente perigosa
Em cilada sigilosa,
Num acidente forjado.
Em cada palavra dita,
Muito atenta ela ficava,
Da barbárie do episódio
Que Café Filho narrava.
Ainda muita abatida,
Uma lágrima sentida
Na face dela brotava.
O véu da morte cobria
O lar do clã dos Pereira.
Outra vez uma luz negra
Fazia-se companheira,
Sombria e temerosa,
Para a família chorosa,
Como foi da vez primeira.
Teve, então, Dona Maria,
A confirmação da morte
Do filho que muito amava,
Lá no Rio Grande do Norte.
Os boatos circulavam
E os jornais confirmavam
Sua sina, triste sorte.
Café Filho acrescentou
Que ela corria perigo.
Evitasse transitar
Nas terras do inimigo.
Reforçou o advogado:
— Senhora, tome cuidado,
Escute o que eu lhe digo.
A mãe de Chico Pereira
Para a casa retornou
Muito triste, transtornada,
Do relato que escutou.
Do drama do filho seu
Ela sabe o que sofreu,
O quanto se lamentou.
E, de volta ao seu lar,
Para a família relata
A maldade dessa gente
Que, sem piedade, mata.
Se dizem “policiais”,
Mas são meros marginais
De um poder psicopata.
— É triste pra todos nós —
Ela, aos prantos se queixou. —
Já se foi o meu marido,
Pouco tempo se passou.
Agora é Chico que vai
Seguindo a sina do pai,
Só o véu negro restou.
A pobre mãe se lamenta,
Por sua dor sem igual.
E, de coração ferido,
Roga ao Pai Celestial
Aliviar a tortura,
Minorar sua amargura,
Levando-a pro funeral.
Pois nem mesmo o próprio filho
Teve direito a enterrar.
Com o alerta do doutor,
Achou melhor recuar.
No silêncio da oração,
Para ele pede o perdão:
— Deus lhe dê um bom lugar.
Esse escândalo foi forte,
Às vésperas do julgamento,
Pois o réu não chega vivo
Para dar seu depoimento.
Aquela luz matutina,
Surgindo atrás da colina,
Reluz seu último momento.
Foi perto de Currais Novos,
Km cento e setenta e sete,
O carro ali estaciona,
Réu sai da camionete.
E com as mãos para trás
Amarradas, aliás,
Já entra no cassetete.
O comando prosseguia
Batendo, sem compaixão.
Sem direito à defesa,
Debaixo de bofetão,
Aquele preso algemado
Simplesmente é executado,
Sem justiça e sem perdão.
Surraram até à morte,
A golpes de carabina.
Estilhaçaram-lhe a face,
Deixando só a ruína.
Exterminada a presa,
Era atingida a proeza
Da caravana assassina.
Lamenta o povo, nas feiras,
Sua dolorosa morte,
Porque ninguém acredita
Na “virada do transporte”.
O que vale, na verdade,
É a tal da impunidade,
Que comanda a nossa sorte.
No ano de vinte e oito,
No nascer da alvorada,
Perece Chico Pereira,
De morte premeditada.
Vinte e oito de outubro
Sob um céu vermelho-rubro,
Uma cruz foi levantada.
A cruz era o distintivo
Desse ato vil e incréu
Impetrado por mãos sádicas,
Debaixo da luz do céu.
Comitiva desvairada
Que, ao nascer da alvorada,
Erguia ali seu troféu.
Chico Pereira só tinha
Vinte e oito de idade.
Portanto, ainda gozava
Sua plena mocidade.
Foi réu politicamente,
E pereceu inocente,
Ao buscar a liberdade.
Ele, jurando inocência,
A “justiça” o condenou.
Quando ele pediu ajuda,
A Lei também sonegou.
E, ficando sem opção,
Movido pela emoção,
Sua desforra tirou.
Foi um crime encomendado
Para contentar barões,
Os coronéis da política,
Os imortais dos sertões,
Senhores capitalistas,
Reais imperialistas,
Fingindo ser bons patrões.
Réu de criminalidade
Em solo nunca pisado,
Pelo ódio de políticos,
Chico fica encarcerado.
Serviu, assim, de cobaia
Pro escorpião, pra lacraia
Do “poder” mal praticado.
Desde o primeiro momento
Que a justiça o renegou,
Aquele homem pacato
Um outro ser se tornou,
Pois o camponês ordeiro
Era agora cangaceiro
Em que a Lei o transformou.
Pereira foi obrigado
Cavalgar na bandoleira.
Traído pela justiça
Age de sua maneira:
Vinga a morte de seu pai,
Sem rédea e destino sai,
Cantando “Mulher Rendeira”.
Chico Pereira buscou
De essa rota desviar.
Muita gente, assim, o viu
Pra justiça se humilhar.
Por ela foi enganado,
Sendo de um crime acusado
Sem o mesmo praticar.
É de praxe no sertão
A justiça que ele fez.
Todos têm o seu momento,
Ele teve a sua vez.
Buscou a linha mais certa,
Mas, em vez da porta aberta,
Só topou insensatez.
Finalizo a narrativa
Ao sabor da emoção
Deste trágico episódio
Que marcou o meu sertão.
Imerso em trama cruel,
Transcrevi para o Cordel,
Com pesar no coração.
FIM.