Rio de pedras
Rio de águas barrentas
Imponente cachoeira
Corredeiras às vezes lentas
Outras vezes bem ligeiras
Carregavam as pirracentas
Moitas de canavieiras.
Suas águas desviadas
Foram feiras pra servir
Às turbinas colocadas
No final pra obstruir
E fazer pressão pesada
Para luz distribuir.
Suas águas já geraram
Muita luz e energia
Hoje sei que já secaram
Coisa que eu já previa
Se de ti nunca cuidaram
Certo é que secaria.
Sua margem está sedenta
O seu leito está rachado
Não há sapo barulhento
Não há peixe a ser cevado
Com os muros de cimento
Não vai ser recuperado.
No trajeto tortuoso
Você não morreu sozinho
O seu leito pedregoso
Hoje serve de caminho
Não há mais trecho lodoso
Onde a cobra tinha o ninho.
Não há mais o passarinho
Que ciscava em sua margem
Acabaram com o ninho
Que havia na ramagem
Não há mais o barulhinho
Conhecido das folhagens.
Hoje é rio de pedras
Sem um só poço com vida
De você não há quem medra
Não há força a ser contida
No lugar da grande queda
Há a saudade incontida.
Rio das pedras caídas
Nem lembrado você é
Sua foz desiludida
Só aguarda o pontapé
Para dar sua partida
E seguir de marcha a ré.
Alguém diz ser impossível
Água não anda pra traz.
Pode parecer risível
Porém isso alguém já faz
Fazendo uma imprescindível
Plantação de manacás.
La no alto da montanha
Deixe a floresta crescer
Ela sabe a artimanha
Fazer terra umedecer
E na sombra que se ganha
Água vai aparecer.
Passarinhos farão ninhos
Outros animais também
Chegará o porco-espinho
Capivara também vem
Cada um chega sozinho
Sabendo que água tem.
Se o queixado aparecer
Pastará na relva verde
Se o macaco adoecer
Ou ficar preso na rede
Poderá até morrer
Mas jamais sentindo sede.
A areia já sumiu
Na dá pra recuperar
Montes de terra a cobriu
Hoje pode até plantar
Na planície que surgiu
Sementes pra germinar.
Hoje está na minha alma
Como o rio de outrora
Apesar da vida calma
Horas há que ela chora
Só uma coisa a acalma
Saber que há uma melhora.
Sei que há autoridades
Que pretendem resolver
Tantas animosidades
Que há em torno de você
Sei também que a minha idade
Não permite a ti rever.
Mas talvez possa fazer
Um pequeno relatório
Pra cumprir esse dever
Talvez saia do escritório
Pra pedir e convencer
Quem exerce o decisório.
Vou dizer que esse rio
Hoje feio e ressecado
Em períodos de estio
Era sempre procurado
Mesmo estando doentio
Para dar água pro gado.
Nesse rio a mocidade
Procurando a ilusão
Encontrou uma verdade
Sua foz na solidão
Esse rio é a saudade
Que restou no coração.