A razão do esquecido.
No silencio de uma sala
Alguém veio me dizer
Que a sua voz não fala
Mas pretende escrever
Se a sua voz não cala
Demonstrar é o seu dever.
Diz que foi um empregado
Trabalhou muito sozinho
E ficou apaixonado
Pela filha do vizinho
Porém não ficou sentado
Na beirada do caminho.
Sua estrada é sinuosa
Mas consegue caminhar
Não tem vida escandalosa
Também não é exemplar
Mesmo assim é dadivosa
Não pretende reclamar.
Os seus passos são seguros
Os seus braços resistentes
Não se esconde entre muros
Nunca foge do batente
Se alguém diz esconjuros
Ignora simplesmente.
Sua voz perdeu o som
Mas não a utilidade
Reconhece o que é bom
E o que tem necessidade
Pra pensar ganhou o dom
Isso faz com seriedade.
Não escreve pantomimas
Muito menos fantasias
Tenta mostrar às meninas
Como vencer agonias
Apesar das suas sinas
Gostam de ter alegrias.
Foi um sábio fracassado
Que viveu de desventuras
Pagou caro o seu passado
Feito de gozo e venturas
Hoje está ultrapassado
E perdeu a formosura.
Sua vasta cabeleira
Hoje sequer aparece
Seu relógio de algibeira
Não marca a hora da prece
A sua família inteira
Também não lhe obedece.
Sua casa é um cortiço
O seu lar desmoronou
Todos la têm algum vicio
O seu quarto desmanchou
O seu filho sem serviço
Ao crime se dedicou.
É herdeiro das mudanças
Que se faz nos arredores
Mas não tem a confiança
De não ter dias piores
E perdeu a esperança
De viver dias melhores.
Nas calçadas das cidades
Ele vê as falcatruas
Muita dor, muitas maldades
Muitos pobres sob a lua
Muito pouca caridade
Caminhando pelas ruas.
Vê o sol iluminando
Mas não vê o sol brilhar
Muita gente reclamando
Só porque vai trabalhar
Muita gente se odiando
Desejando não voltar.
Vê o lar despedaçado
De alguém que trabalhou
Depois de aposentado
Sua vida piorou
Nunca mais foi respeitado
No lar que alimentou.
Hoje sente a visão curta
Não consegue ler jornais
Seu dinheiro o filho furta
Diz que deve ganhar mais
A mulher não o escuta
Diz que em casa ele é demais.
Na pracinha da cidade
Vai procurar companhia
De alguém da sua idade
Que também o aprecia
Vivem a realidade
De uma vida de agonia.
Todos eles vão vivendo
De lembranças sem igual
Continuam obedecendo
Fingem estar tudo normal
Vão da vida se esquecendo
Desejando o seu final.
No final alguém se cala
E revive o seu passado
Vai embora com a mala
Deixa apenas um recado
Levo a paz que me embala
Pra lugar ignorado.
Depois disso é procurado
Pelos que o escorraçaram
Dele querem o ordenado
Do qual sempre precisaram
Se voltar é colocado
No porão que reservaram.