Encontro com meu pai

À noite, no meu quarto, me recolho

Com uma dor atroz

Abro meus olhos, vejo vindo do teto uma luz

Em minha córnea passa um brilho feroz

O teto se abre e desce uma névoa do céu

Com ela, um homem, coberto pela névoa como um véu

Que diz -Que saudade, meu filho, q'eu estava de vós!-

-Oh, meu Deus! És tu, meu pai ?

- Sim, meu filho, sou eu.

Emocionado digo - Pensei que o senhor havia se esquecido do seu filho-

- Não, meu filho, meu amor é teu!

Estive ao seu lado em todos os seus sofrimentos

Aqui estou, para curar esse tormento

No momento que tu está nos braços de Morfeu

Filho, por quê essa tristeza nos olhos teu ?

Não percebe que tudo tem o mesmo brilho ?!

Basta, apenas, meu filho

De Deus, seguir seu trilho.

E desconsolado tu disse "Deus não tem alma!"

Pois, a Deus, meu filho, pertence minh'alma.

Estou aqui pois não quero te ver mais sem rumo, como um andarilho

Pois, meu filho, não nascemos para sofrer

Deus quer ver ânimo no seu corpo

Oh, meu filho!

E não a tristeza infinda corroendo seu couro!

-Mas pai, tudo que fiz foi irracional, vil e vão

Percebeu isso, meu pai, quando te vi no caixão

E de tu, meu pai, hoje só sobra osso

- De material, só osso.

Mas Deus nunca nos deixou a sós

Ele, meu filho

Cuidava e cuida de todos nós

E a nós, seu único filho deu

E não, ele não morreu

Pois ele e Deus falam em uma só voz

Sorumbático falo

- Pai, nada em minha vida tem encanto

As inexorabilíssimas noites de desespero,

As madrugadas de pranto...

É ali, meu pai, naquele canto

Onde afogo minhas mágoas. Seria eu, um desgraçado, portanto ?!

As árvores da tristeza só eu que colho e planto ?!

Macambúzio e só, caindo aos pedaços

Fiquei na sala

Apreciando a morbidez da mobília

Sem ouvir de ninguém uma só fala.

Não tenho mais fé no homem, pai

Só a tristeza e o verso que hoje me atrai

E a boca que me beijou, oh meu pai, hoje me cala

Meu pai fala

- Querido filho, daqui da eternidade

Observo o seu martírio

Desde a mocidade.

Mas tende amor! Porque o amor tudo crê, tudo espera, tudo suporta

E tenho fé, que um anjo baterá em sua porta

E irá presentear-te com o espírito de verdade

Querido filho, nós dois somos um

Mas você tem me decepcionado tanto...

Quando naquela noite

Você deixou a sua mãe no canto.

E meu filho, a pior coisa que tu faça

Para o filho não há maior desgraça

Que afogar sua mãe no pranto!

- Mas meu pai, eu não tenho culpa

Minha mãe me tratou com amargura

Disse que eu não sou bom filho e não a mereço

E no peito ela fez uma fissura

Ela de ti sente muita saudade

Me dói saber, que ela está chegando na idade

De juntar a alma dela a tua

- Meu filho, se prepare para esse dia

Para a solidão, que nada extasia

Se eu pudesse, meu filho

A morte dos pais eu aboliria

Para que eu cuidasse de ti por toda a eternidade

Na velhice, adultice e mocidade

Se eu pudesse, "Graças a Deus!" eu falaria

Mas a solidão existe, meu filho

E ela é um período de reflexão

Você a vencerá amando o povo

Como se fosse o seu irmão!

Praticando a bondade

Não pondo limite a caridade

Mas só vale se for de coração!

De herança não deixei nada

Ao não ser um cachorro veludo

Que me acompanhava

E o seu estudo.

Pois, filho, tu quis direito

Carregue a transparência em seu peito

E faça a justiça seu escudo!

- Querido pai, de seus concelhos

Todos, todos atenderei

Para minha vida, todos serão levados

E irei utilizá-los como lei

E quando o senhor se for novamente, prometo esperar sem revolta

O dia da tua volta.

Esse dia, em meu coração aguardarei

- Filho, viva o agora

E no agora, estou contigo

Seja paciente, assim como no aguardo da chuva

Fica todas as plantas, entre elas o figo e o trigo

Se com alegria tu ficar

Meu coração voltará a pulsar

E para a eternidade voltarei e esperarei você comigo

Mas filho, tenho algo para te contar

Nosso tempo está se acabando...

Por favor, se contenha

Não se derrube em pranto

Vá para casa, sua mãe está lhe aguardando

Ele de coração, meu filho, te ama tanto!

Lembre-se que amor de mãe é sacrossanto

- Pai, sua visita né transbordou de alegria

Em saber que vos me amai

Minha felicidade é tão imensa

Que se eu pedir, uma estrela do céu cai.

Quero fazer ao senhor um último pedido

Escute o que tem a dizer o seu filho:

A bença, meu pai ?

- Deus te abençoe, meu filho!

Por último, não se esqueça, nem de leve!

Que o amor por sua mãe

Aos céus eleve

Pois ela é a consciência de mim, seu pai

E agora sim, de fato, uma estrela cai

Meu filho, até mais. Até breve.

E assim um clarão abraçou meu quarto

De cor nada hialina

Os móveis se tremeram

Balançou a rede e a cortina

E um estrondo tomou conta do quarto

Assustou os animais que estavam no mato

E ecoou na campina!

Com esses fenômenos

Tudo se une, concomitantemente

A nuvem que estava meu pai

Se junta gradativamente

E com seu olhar doce e ameno

Com a cabeça e as mãos ele faz um aceno

E eu ficarei no aguardo de sua volta novamente

Rapidamente, tudo ficou na quietude

A nuvem onde estava meu pai, resta transparência

O silêncio toma conta

Levanto da minha rede com diligência

E na minha vida aguardarei

Pois sei que um dia estarei

Com meu pai na transcendência!

Cardoso de Figueiredo
Enviado por Cardoso de Figueiredo em 12/09/2019
Reeditado em 15/11/2019
Código do texto: T6743573
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