Quem canta seus males espanta (3)

Ele estava no alto do Pão de Açúcar.

É claro que já tinha ido ali outras vezes, mas com status de “Maravilha do Rio”, nunca. “Pedra cantada”, pensou... Aquela vista ganhava fácil qualquer concurso de beleza. Ficou um tempo apreciando a enseada de Botafogo, quando saiu deu uma passada pelas lojinhas de souvenirs e viu na vitrine exemplares de “O Norte das Águas” e “Marimbondos de Fogo”. A associação foi imediata. Dedilhou a viola e cantou:

Na festa da Academia

Estava o presidente

E o orador lhe dizia

Que ali, ao menos em obra

Devia ele estar presente

Mas vejam só que papel

O que falou foi “abobra”

Ali não entra Cordel...

Um gringo perguntou-lhe por gestos se poderia tirar uma foto. Ele assentiu. E continuou

O homem deu entrevista

Querendo mais contratar

E eu já tenho uma pista

Pra não ser muito exigente

E não me contrariar

Que sigam a sugestão

Contratem um presidente

E fechem logo a questão.

O público, em sua maioria turistas, não era de fazer muitas manifestações. Decerto paravam, escutavam, concordavam, riam, mas não era aquele povão de falar alto, assoviar e gritar, como os que ele encontrava nas praças. Era um povo mais comedido.

Proposto o ministério

Senado deu o seu veto

Até aí, sem mistério

Parece mais brincadeira

O cargo sai por decreto

Não vai a voto de novo

Favoreceu Mangabeira

Desrespeitando o povo.

Algumas palmas esparsas. Uma guia de turismo se apertava tentando traduzir para um grupo o que estava sendo cantado. Um vendedor ambulante apareceu vendendo pratos com fotos do povo assistindo o “show”, pela módica quantia de R$15,00

Ministros lá no Supremo

Votaram novo aumentinho

Passavam sufoco extremo

E enfim podem respirar

Curtir o seu “trocadinho”

Por mês vinte e cinco mil

É só o que vão ganhar

Ora onde já se viu!

Uma senhora muito simpática em, sua cadeira de rodas acompanhava o ritmo batendo palmas.

Maluf foi internado

Com dores no abdômen

Vai bem, nosso deputado

Por sorte não é raquítico

E tão ladino é o homem

Que longe de estar no prego

Aos males esse político

Responde sério “Eu néégo”.

Aí riram. A política é às vezes a maior fonte de piadas. Com todo o respeito, é claro.

Renan ainda resiste

Manobras da comissão

É cada medida triste

Tentaram processos unidos

Ganharam protelação

E de ironia, um toque

O relator escolhido

E da sua tropa de choque.

Já estava bom. Afinal ele tinha ido ali para passear, e não fazia parte das atrações do lugar.

E acho que vou embora

Que meu cantar já ta feio

Reclamo à toda hora

E eles seguem tramando

Me deixam de saco cheio

Com frio cá na barriga

Se continuo cantando

Eu chamo os caras pra briga.

Sua pequena assistência o aplaudiu divertida, e foi se deleitar com a beleza da vista. O vendedor de pratos veio lhe vender um prato com a sua foto.

“Só quinze”, disse.

O violeiro coçou a cabeça e lhe perguntou:

“E quanto eu lhe cobro por usar minha imagem? Quantas fotos você fez enquanto eu estava aqui cantando? Você devia era dar o prato de presente!”

“Pro senhor eu faço R$10”

“É... Se eu não comprar seu prejuízo já é menor”

“Mas dotô!”

“Que dotô... Já viu “dotô” tocando viola, cara? Olha, vou fazer o seguinte: Eu lhe dou R$5,00 e não se fala mais nisso.”

“Aí não dá...”

“Então fique com seu prato.”

E assim dizendo começou a andar na direção da estação pra pegar o bondinho. Antes mesmo de passar pela porta do prédio o vendedor lhe abordou novamente.

“Sete e cinqüenta”

“Só dou $5. Já está aqui na mão, ó. Rapidinho antes que o carro chegue.”

O cara ainda fez umas caretas, mas no final cedeu.

Com a viola nas costas e o prato embrulhado em uma folha de jornal na mão, nosso amigo embarcou no bondinho pensando: “A gente que aceite tudo calado...”

Foto: “Violeiro” 1985 Sidney Mariano ® http://urubu.files.wordpress.com

Sérgio Serra
Enviado por Sérgio Serra em 03/10/2007
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