A vida no campo é difícil

Não esqueça que a vida

No campo é muito difícil

Você levanta cedinho

E faz muito sacrifício

Cuida da roça e do gado

Enfrentando os precipícios.

No tempo da invernada

Fica tudo mais difícil

Enchem todos os caminhos

Com chuva grossa ou chuvisco

E todos ficam em casa

Cuidando de outros serviços.

Mas alguém tem que sair

No meio do lamaçal

Deixando o quente da rede

Para entrar no curral

Tirar o leite das vacas

Pra alimentar o chacal.

Ser camponês não é fácil

Dada as duras condições

De trabalhar no roçado

Produzindo o próprio pão

Numa casinha de taipa

Lá no meio do sertão.

No verão a coisa pega

Haja as duras condições

Depois de agosto e setembro

Tudo muda no sertão

A água fica difícil

Encontrar é mole não.

O pior são as queimadas

Que eu via acontecer

Com as arvores derrubadas

Vendo o verde perecer

As chamas queimando tudo

E o mundo escurecer.

Após quatro ou cinco dias

Tudo ali estava queimado

Entre serras e baixões

Nada mais havia sobrado

O terreno estava pronto

Para então ser semeado.

Quando o vento era bom

Nem coivara precisava

Esperavam-se as chuvas

E as sementes plantavam

O resto era com a terra

Que as sementes germinavam.

Mas nem sempre era assim

Com o caboclo do sertão

Quando o fogo não queimava

Tinha que limpar o chão

Pegando todo o garrancho

Juntando-os com as mãos.

Este trabalho era duro

Não tendo muita opção

Juntar graveto de roça

Fazendo tudo com as mãos

No Final de cada dia

O cabra estava um tição.

Depois de um dia inteiro

Na roça encoivarando

O cabra chegava em casa

Feito uma suçuarana

Dormia sujo e com sede

Sem às vezes tomar banho.

Quando o inverno era fraco

La pras bandas do sertão

Todo mundo reclamava

Não havia solução

O jeito era esperar

Pelo São Sebastião.

Se até lá não chovesse

Tudo ali estava perdido

Quase nenhuma esperança

Só a do santo querido

O glorioso Sebastião

O santo dos desvalidos.

A data se aproximava

Com esperança e devoção

O povo pelas estradas

Numa grande procissão

Pedindo o protegido

Muita chuva pro sertão.

O resultado era certo

Não tinha como evitar

A estiagem do pasto

Não se podia adiar

O desespero das aves

Tentando água encontrar.

Vi gente desesperada

Ante o calor do sertão

Olhando todas as nuvens

Ante sua devoção

Culpando deus pela seca

Ante tal situação.

Sem as chuvas no sertão

A gente ficava triste

A terra estava pronta

Esperando o habite-se

Mas nada podia ser feito

Sem água era muito triste.

Na fazenda que eu morava

No meio do boqueirão

Era um local encantado

Que ficava no sertão

Bastava subir a serra

Com vista pro chapadão.

Foi lá que passei a infância

No meio do capinzal

Tomando banho no açude

Cavalgando no chacal

Desfrutando dos sabores

Dos frutos do meu quintal.

A comida era gostosa

Feitas por mãos delicadas

O almoço era quentinho

O jantar bem preparado

O que sobrava ai aos porcos

Não havia requentado.

Minha casa de cavaco

Lá no cantinho da serra

No meio da passarada

E eu ao encontro delas

Os dias eram mais longos

Por que a vida era bela.

Foi difícil não sentir

Saudade do meu torrão

Quando tive que sair

Fazendo arribação

Rumo a Barra do Corda

Princesinha do sertão.

Milton

Belém, 18 de maio de 2020

Milton Nascimento
Enviado por Milton Nascimento em 05/09/2020
Reeditado em 07/10/2023
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