LEMBRANÇAS DA MINHA INFÂNCIA Francisco Luiz Mendes

LEMBRANÇAS DA MINHA INFÂNCIA

Francisco Luiz Mendes

Para se falar de um tempo

Que ficou imortalizado

Esse tempo é preciso

Estar bem memorizado

Quem foi um dia criança

Avalia qual a lembrança

Que ficou lá no passado.

Eu nasci numa casinha

Ingênua de fazer dó

Uma guarida de taipa

Feita de barro e cipó

Muito sorridentemente

Vivi, belo e contente

Nesse pequeno quixó.

Rememoro inda menino

Descalço e pé no chão

Percorria os tabuleiros

Apenas só de calção

Na beira daquele açude

Mãe esfregava meu grude

Com um taco de sabão.

De posse de baladeira

Bisaco de couro cru

Pelos matagais eu ia

À procura de lambu

E por entre os tarracos

Cutucava os buracos

Pra ver sair o teiú.

Às vezes dava de cara

Era com o tal do inchu

Além de ver chapéu preto

O afamado capuxu

Quando ele se assanhava

Eu depressa galopava

Corria mais que caititu.

A carreira não doía

Mas do ferrão do zangão

A dor era tão aguda

Do cabra borrar calção

Água do olho saía

Na perna o xixi descia

Fazendo poça no chão.

Ali contemplava o céu

Seu infindável desnu

Imaginando voar

Livre feito um urubu

E pelo caminho eu vinha

Abocanhando o que tinha

Manga, goiaba e caju.

Com minha barriga cheia

Lá em casa eu chegava

Indagava minha mãe:

Menino onde você estava?

Ah, por aí a zanzar!

E com medo de apanhar

Bem longe dela passava.

Debaixo de Sol ardente

Tinha por obrigação

Ir para escola estudar

Depois vinha a diversão

Meu pai dizia menino

Abra os olhos teu destino

Está na educação.

No caminho da escola

Todo orgulhoso eu ia

Era a primeira vez

Que uma calça eu vestia

Camisa de gola branca

Sapato preto chibanca

Enaltecido eu saía.

Tomar banho de açude

O dia todo era pouco

Nadava a tarde inteira

De ficar cinzento e rouco

E além de encharcado

Corpo ficava enrugado

Parecia um cachorro louco.

Depois que se enjoava

Daquele banho de açude

Reunia-se com amigos

Pra jogar bola de gude

Dentro do meu quarteirão

Não existia campeão

Pra tirar minha virtude.

E juntos aos meus brinquedos

Conservava umas latinhas

Que hoje são conhecidas

E de latas de sardinhas

As mesmas conectavam

Num trenzinho se formavam

E entupia de pedrinhas.

Quando era pra jogar bola

Arranjava-se um meão

E nele logo botava

Uma porção de algodão

Começava a brincadeira

Divertia-me a tarde inteira

Sem muita preocupação.

Sujo dos pés à cabeça

Era assim que eu ficava

E desse mesmo jeitinho

Ao sono me entregava

Podia chover canivete

E relampejar gilete

Ainda não despertava.

Um triângulo e três buracos

Fazia logo no chão

Jogo de bola de bila

Era aquela diversão

Além disso o de castanha

Era preciso ter manha

Derrubar o pitelão.

Mas tinha lá brincadeira

Que nunca me fascinava

Preferia ficar fora

E logo me afastava

Aquela que dava briga

Que até gerava intriga

Dela eu não participava.

A brincadeira do grilo

Do anel e cabra-cega

E do jogo de xibiu

Da fila do escorrega

Mais o jogo de peteca

Ainda mão na meleca

E também do pega-pega.

Do pula-pula e estátua

E do defrauda bandeira

Queimada e amarelinha

O bailado de cadeira

E na festança junina

O menino e a menina

Bailava ao pé da fogueira.

Ficava por toda à tarde

Brincando com meu pião

Equilibrando entre os dedos

De uma mão para outra mão

Era até de admirar

Ver esse pião rodar

Suspendido num cordão.

De cipó de marmeleiro

Fazia uma arapuca

De lacunas tão nanicas

Pra não passar nem mutuca

E nesse entretimento

Era só divertimento

Ladeando minha cuca.

Eu ficava o dia inteiro

Atento e de prontidão

Plagiando a cantiga

Do astucioso cancão

Quando ele aparecia

Logo que ele me via

Era aquela agitação.

E muitas distintas coisas

Foi a minha distração

Às vezes passava o dia

Com a gaiola na mão

Subir e descer colina

Caçar galo-de-campina

O tenor da região.

Debaixo daquele céu

Tão bonito e azulado

Nasci, cresci e vivi.

E corri pelo serrado

Amparado à natureza

Diante sua beleza

Eu sonhava acordado.

A aurora vinha brotando

Antes de o Sol clarear

A gente ali despertava

Aves a cantarolar

E no alto da colina

Debaixo de uma neblina

Sabiá sempre a cantar.

Ao pé do fogão de lenha

Ficávamos agachados

Fitando as labaredas

Soltando seus faiscados

Os gravetos estalavam

Grunhiam e apitavam

Por estarem encharcados.

E no café da manhã

Mãe inventava beiju

Às vezes bolo de caco

Feito de massa de angu

Outra vez a tapioca

Ou broa de mandioca

Mingau, pirão e tutu.

E às vezes mãe fazia

Pra não sobrar nem o cheiro

Um cuscuz com rapadura

Um tipo de pão caseiro

Porém quando nada tinha

O açúcar e a farinha

Servia-se de papeiro.

Para descascar o arroz

Batia-o naquele pilão

Os grãos dele ali subiam

As cascas iam pro chão

Como era bonito ver

Passarinhos a comer

Em confraternização.

Onde passava preá

Fazia-se ali no chão

Uma abertura bem funda

De distância, braço e mão.

De fojo era chamado

ficou popularizado

Assim por todo o sertão.

Equipava a armadilha

Nessa trilha de preá

E para o dia seguinte

Quando se chegava lá

O fojico tava cheio

Só se ouvia o pisoteio

Era aquele granganzá.

Certa vez localizei

Aquele fojo escondido

Pois ao meter a mão nele

Tão logo fui surpreendido

Uma cobra me deu um bote

Ligeiro dei um pinote

Quase por ela fui mordido.

E quando se escutava

Do engenho aquele apito

Eu ficava abismado

Soltava aquele grito

Saía em disparada

Chamando a meninada

Pulando feito um cabrito.

Corríamos para o engenho

E só pensava em brincar

Depois bebia garapa

De a barriga alumiar

Em seguida ia à gamela

Enchia-me até a goela

De não poder nem andar.

E nesse dia no engenho

Eu me vi aperreado

Dessa mistura que fiz

De garapa com melado

A barriga já tremeu

Eu corri, porém, não deu

Fiquei todo lambrecado.

Lá no pátio do engenho

Chamado de bagaceira

Reunia-se a molecada

Pra variada brincadeira

Pois a gente só cessava

Quando o engenho parava

Também a sua caldeira.

Vara para se pescar

Tinha que ser de pereiro

Além de possante era

Mirado pelo lenheiro

Essa haste era falada

Muito ainda procurada

Por todo e qualquer pesqueiro.

Agora é outro tempo

E muita coisa mudou

Vara da modernidade

Movida a fogo-pegou

Pois aquela de pereiro

Usada pelo pesqueiro

No esquecimento ficou.

O que é bom dura pouco

Diz o dito popular

Se fosse pra ser criança

Como eu queria voltar

Atualmente a saudade

Alimenta essa vontade

Fazendo a gente sonhar.

Dedico estes tais versos

Pra todas as gerações

Pra quem vive nas cidades

E também os dos sertões

Porque inda somos crianças

E essas doces lembranças

Não saem dos corações.

FIM.

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 06/10/2020
Reeditado em 12/10/2020
Código do texto: T7081192
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