O camelo que declama poesias no zoológico de Recife

O poeta quando escreve

seu trabalho inspirado

faz a narração dos fatos

naquilo que é versado

E quem o seu verso lê

começa a pensar o que

não tinha ainda pensado

Pra ter esse resultado

cada um versejador

busca sempre traduzir

no que escreve o teor

das coisas que observa

ou daquilo que conserva

da essência interior

Ele mostra ao leitor

no estilo escolhido

o relato mais fiel

do que tem acontecido

Faz um estudo diverso

e no espelho do verso

como fica refletido

Depois de estabelecido

o que contar na escrita

ele vê o resultado

mas também vê a desdita

Por sua verve notória

o leitor na sua história

às vezes não acredita

Mesmo a notícia bonita

de um camelo poeta

que declama poesias

e nunca se aquieta

Se exibe com requinte

e que tem como ouvinte

uma platéia seleta

Essa história completa

começou lá no deserto

o lugar de nascimento

desse animal esperto

Com montaria ou carga

na sua passada larga

o longe ficava perto

Ele trabalhou por certo

antes de envelhecido

Quando findou sua força

chegou no Brasil vendido

pra mostrar um certo dia

o encanto da poesia

ao país que foi trazido

Estava sendo exibido

como a nova atração

de um parque em Recife

que tem até tubarão

Mas por força do talento

começou em um momento

a fazer declamação

Causou admiração

Foi assunto da imprensa

Muita gente desmaiou

A balbúrdia foi intensa

Foi enredo de novela

Porque coisa como aquela

não se imagina ou pensa

A manchete foi extensa

nas tevês e nos jornais

O parque lhe concedeu

cuidados especiais

Virou a grande atração

Ganhava mais atenção

que os outros animais

Mostrando cada vez mais

o seu dom de declamar

de várias parte do mundo

começaram a chegar

cientistas renomados

que estavam determinados

a seu caso estudar

E pegaram a olhar

tudo que ele fazia

Mas dos outros animais

ele não se distinguia

Era igual a qualquer um

só tendo por incomum

o declamar poesia

Mesmo sua anatomia

em nada era diferente

Ele tinha dois calombos

na parte correspondente

Como um camelo faz

Erguia as patas detrás

e às vezes as da frente

Sentia sede somente

no final de oito dias

quando as duas corcovas

já estavam bem vazias

Porém no final da tarde

até com certo alarde

declamava as poesias

Conquistando simpatias

versava o declamador:

- No desejo de viver

a força do meu amor

caminhando junto ao mar

e ausente em teu pensar

sem querer canto de dor...

O camelo glosador

era o assunto principal

do povo e autoridades

do interior à capital:

- Os poetas sem apelo

vão levar esse camelo

pra recitar em sarau?

- Será eleito imortal

de alguma academia?

- Será que tem jacaré,

tanajura, cotovia,

preguiça, teju, sagüi,

paca, onça e jabuti

declamando poesia?

- Inda quero ter um dia

fazendo a declamação

na minha casa um camelo

com aquela inspiração

Em casa só tenho ouvido

papagaio e marido

que só falam palavrão!

- Eu quero ver a questão

dos direitos autorais

Se os versos publicados

nos termos contratuais

vão dar exclusividade

ou pagar à sociedade

que protege os animais

- Não subestimo jamais

um camelo literato

Porém tendo oratória

se quiser ser candidato

em alguma eleição

vai ter boa votação

e garantir o mandato

Esse camelo de fato

foi assunto na cidade

Mas o prestígio perdeu

que passou a novidade

Somente na academia

onde estudam poesia

mantém a notoriedade

Quem tiver curiosidade

precisa ao Recife ir

e no Parque Dois Irmãos

o camelo vai ouvir

Ao leitor eu agradeço

Dei até o endereço

pra ninguém me desmentir

Fim

Carlos Alê
Enviado por Carlos Alê em 14/11/2005
Reeditado em 16/09/2014
Código do texto: T71354
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