A festa do padroeiro

Até hoje ninguém soube dizer

Como foi que a desgraça começou

Mas, no fim, o estrago que ficou

Com certeza, ninguém vai esquecer

Mesmo até se uma guerra acontecer

Ou, até se passar um furacão

Até mesmo se houver uma invasão

De ETs vindos lá de outro planeta

Se ali se chocar algum cometa

Não se vai ver maior destruição

A cidade era quase um povoado

Bem tranquila durante o ano inteiro

Mas, na festa do Excelso Padroeiro

Vinha gente de quase todo o estado

Qualquer canto e lugar era lotado

De turistas e gente do lugar

Restaurante, hotel, igreja e bar

Tinham filas em volta ao quarteirão

Os fiéis esperando a procissão

A maior que, então, se ouviu falar

Na pracinha, o Parque de Diversão

Atraía crianças e marmanjos

No coreto um coral com trinta anjos

Entoava um canto de adoração

Nesse ano houve até outra atração

Que, de pronto, tornou-se a preferida

Era um circo de lona colorida

Com palhaço, animais e trapezistas

Dançarinas, anões, malabaristas

Atraindo a plateia embevecida

De um lado da rua, nas calçadas

As barracas de jogos e comida

E do outro as barracas de bebida

Logo cedo ficavam já lotadas

Os casais passeavam de mãos dadas

Se espremendo através da multidão

Quando um sino atraiu toda a atenção

E uma voz avisou no alto-falante

Que agora, a partir daquele instante

Já iria sair a procissão

O cortejo saiu da Catedral

Com o sino, na torre, repicando

Os devotos, com fé, todos cantando

Com os fogos na praça principal

Quando, então, numa rua lateral

Começou uma grande correria

Com tropeços e muita gritaria

Que acabou misturada à procissão

Todo mundo correu sem direção

Só a imagem do santo não corria

A galera correu desembestada

Derrubando o que via pela frente

Num tumulto surgido de repente

Parecia um “estouro de boiada”

Derrubando as barracas da calçada

E o coreto da praça principal

Os anjinhos que estavam no coral

Dava pena o estado que ficaram

Acho até que alguns desencarnaram

Pois ficou só as vestes no local

Pra tentar proteger o padroeiro

O vigário agarrou-se no andor

Mas, a turba passou feito um trator

E deixou o local como um “aceiro”

Não se sabe, até hoje, o paradeiro

Nem do padre, do andor e nem do santo

Só acharam um trapo do seu manto

Entupindo um bueiro numa esquina

Já do padre, pedaços da batina

Foram vistos, na rua, em todo canto

Alguém disse que alguém tinha escutado

Que, do circo, um leão tinha fugido

Disse até que ouviram seu rugido

Quando o seu domador foi estripado

E que o bicho partiu desembestado

No sentido em que vinha a procissão

Teve gente que até viu o leão

Perseguindo o vigário pelo mato

Se é verdade ou se foi tudo boato

Foi o mote de toda a confusão

Bem juntinho à cidade passa um rio

Onde havia uma ponte muito antiga

Pois, em pé, não ficou nenhuma viga

Quando a turba passou em desvario

Com a ponte caindo no vazio

Muita gente, com ela, despencou

Contam que um sujeito que escapou

Foi preciso nadar contra a corrente

Rio abaixo só tinha tábua e gente

E, pra margem, com medo, não voltou

Um guri que brincava num terreiro

E foi dado por desaparecido

Disse ao pai que ficara protegido

Por três dias trepado num coqueiro

Esperando baixar o aguaceiro

Pois o rio botou uma enchente

Por castigo do santo São Clemente

Foi tão grande que a ponte carregou

Muita gente caiu e se afogou

E a imagem do santo ia na frente

Registrou-se a maior calamidade

Parecia o final de uma guerra

Tudo que estava em pé caiu por terra

Do palanque ficou só a metade

Destruíram o centro da cidade

E os carros, na rua, estacionados

Tinha até uns três postes derrubados

Com os fios caindo pelo chão

A cidade sofreu um apagão

Pelo atrito de fios desencapados

A cidade no breu do apagão

Sofreu muito à mercê do vandalismo

Saquearam agência de turismo

Restaurantes, hotéis e uma pensão

Encontraram no bolso de um ladrão

Uma arma e um maço de dinheiro

Doação pra festa do padroeiro

Que roubara da casa do vigário

O ladrão confessou pro comissário

Que o padre roubou o ano inteiro

Quando o dia seguinte amanheceu

Quem dormiu, acordou desconsolado

Quem passou toda a noite acordado

Relatou que outro fato aconteceu

Um sujeito, da ponte, que morreu

Circulou pela rua soluçando

Com as vestes molhadas e pingando

Lendo nomes que estavam num caderno

Uma lista que trouxe do inferno

Pois o diabo os estava convocando

E assim eu termino esse relato,

Tão real, que ao final me convenci

De um padre que um dia conheci

E pediu pra ficar no anonimato

Hoje vive recluso num internato

Pois virou eremita e penitente

É devoto do santo São Clemente

E parece que ali vive com medo

Pois pediu pra guardar esse segredo

Mas, não posso guardar eternamente

Edmilton Torres
Enviado por Edmilton Torres em 26/04/2021
Reeditado em 26/04/2021
Código do texto: T7241745
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