PISANDO EM RASTRO DE CORNO

Sempre levei uma vida

Pautada em aventura,

Extravagância, loucura,

Festança além da medida.

Tudo regado a bebida,

Mulher escolhida a dedo;

Nunca soube o que era medo;

O que viesse eu topava;

Qualquer coisa eu enfrentava;

Era esse o meu enredo.

Quando o final de semana

Chegava eu tava prontinho;

Todo bem arrumadinho,

Com uma roupa bem bacana;

No bolso cartões e grana;

Eufórico e sorridente;

O roteiro já na mente;

O carro pronto, encostado;

O amigo de fé sentado

A me esperar lá na frente.

Pra um bar ou restaurante,

Um forró, uma balada;

Tome carreira na estrada;

Como era emocionante;

Ao chegar, em um instante,

Víamo-nos rodeados

De mulheres aos bocados:

Loiras, ruivas e morenas,

Altas, gordinhas, pequenas...

E nós com elas colados.

O que quisesse comer

Grana pra bancar eu tinha;

Quente ou bem geladinha

O que quisesse beber;

Assim eu via descer

Espumante, Bagaceira,

Vinho, gela de primeira,

Vermouth, vodka, armanhaque,

Rum, tequila e conhaque;

Toda noite a noite inteira.

Tira gosto não faltava

Se pedia e num instante;

Vinha petisco crocante

Na mesa o garçom botava:

Batatas e mocofava,

Coxinhas e pasteizinhos;

Presos em uns palitinhos:

Azeitonas, mussarela

Outras coisas em rodela,

Bolos, presuntos, bolinhos.

Era alegria estampada

No rosto da turma inteira;

Vez em quando uma carreira

Para dar uma dançada;

Depois da festa findada

E de a conta pagar,

Cada um com o seu par

Dava uma esticadinha

E a que ficava sozinha

Eu não deixava boiar.

Jogava dentro do carro

Ai só Deus que sabia

Onde que a gente ia

Pra tirar aquele sarro;

Pelas estradas de barro

Ou asfalto nem ligava;

Pois a farra só prestava

Quando tinha curtição

E viver de pegação

Era o que eu mais amava.

Numa casa abandonada,

Numa cabana, ou motel,

Apoiados no painel

Do carro lá na estrada,

Numa entrega assanhada

O ficar prevalecia

No outro dia parecia

Que o casal nunca se viu

Que a noitada não curtiu

E que nem se conhecia.

Aí seguia em frente:

Tome forró e balada,

Bebedeira e noitada,

Mulherada diferente;

Fechando com sexo quente

A rotina era essa;

Sem aperreio, sem pressa,

Só prazer e alegria,

Afinal, quem não queria

Levar uma vida dessa?

Mas minha vida mudou

De uma forma repentina;

Quando dei fé a cortina

Da alegria se fechou;

Uma escuridão chegou

E ficou em mim parada;

E não é que essa danada

Findou comigo acabando;

Meu cenário desmontando

Palco e arquibancada.

Daí perdi meu emprego;

Meu patrão me despediu;

A minha grana sumiu,

Levou junto o meu sossego;

O meu amigo morcego

Que vivia em mim colado,

Deu no pé, saiu voado,

Se mandou, se escafedeu;

Nunca mais apareceu;

Me deixou abandonado.

Meu guarda roupa que era

Cheio de roupa alinhada,

Hoje só roupa surrada

Dentro dele me espera;

Pra ter noção da cratera

Em que eu estou jogado,

Perfume não tenho usado,

Quando uso é o do bem fraco

E até mesmo o meu suvaco

Não tenho desodorado.

Meus tantos cartões de crédito

Não podem mais ser usados;

Todos foram bloqueados;

Não pude cobrir o débito;

Um acontecimento inédito:

No SPC entrei,

Minha TV, penhorei,

Vendi meu carro novinho;

Sem mulher e aqui sozinho

Meu fracasso eu encontrei.

Revirei a minha mente

Procurando uma resposta;

Porque estou nesta bosta

Vivendo igual indigente?

E tem mais, daqui pra frente

Como será minha vida?

Já tá faltando comida,

Cortaram a água e a luz;

Por caridade Jesus,

Me aponte uma saída!

Até que uma ciganinha

Pediu pra ler minha mão;

Eu não creio nisso não,

Mas por ser uma gracinha

Lhe emprestei a mão minha

E ela foi analisando

Cada linha e falando:

“Você muito aprontou

Com certeza alguém cobrou

O que você tá pagando.”

Continuando a leitura:

“Você foi muita farrista,

Pois muita mulher na lista,

Curtiu, viveu de aventura;

E nessa sua loucura

Pegou solteira, casada,

Viúva, divorciada,

Todas gostosas, tá certo,

Mas se achou muito esperto

E hoje tá pegando é nada.

Sabe, eu estou achando,

Ou melhor, tenho certeza,

Que toda essa moleza

Que está te atazanado,

Só para traz te botando,

Tirando o que você tem

Não é nada do além,

Nem é mandinga botada

Foi uma mulher casada

Com quem tu saiu também.

Você só deve ter ido

Na casa dela e entrado

Logo após o coitado

Do marido ter saído;

E por ser muito atrevido

Não olhou para o entorno

Só pensando no adorno

Que nele estava botando

Então acabou pisando

Amigo, em rastro de corno.”

Terminada a leitura

Fiz uma reflexão;

Vi que ela tinha razão,

Eu vivi de aventura;

Hoje não tenho quentura

Está quebrado o meu forno

Meu fogo não tá nem morno

Já está quase apagado

Devo ter mesmo pisado

No tal do rastro de corno!

Benildo Nery

Um poeta de Montanhas,RN