FOME, A DOR NO CORPO E O PESO NA DIGNIDADE

POR JOEL MARINHO

A quem diga que hoje em dia

É pior que no passado

Eu vivi na inflação

Do cruzeiro e do cruzado

Aqueles tempos que o diabo

Amassou o pão com o rabo

E eu comi amassado.

 

Hoje um pouquinho melhor

Não sofro mais como antes

Mas me surge um velho filme

Mar de lama delirante

Com gente fazendo esforço

Para arrancar uns ossos

Daquele lixo aberrante.

 

Meu coração palpitou

A minha perna tremeu

Lembrei-me de umas gorduras

Que minha vizinha deu

Com pena da nossa fome

Pediu no açougue aos homens

Pra levar ao “cachorro” seu.

 

Vi uma vez mamãe fazer

O que Mister M não faria

Ela dividiu três ovos

Que era refeição do dia

Em meio à crise mesquinha

Com meio quilo de farinha

Doze bocas ela sacia.

 

Papai chorando nos cantos

Era uma grande tortura

Por mais que ele se escondesse

Havia sempre abertura

Porque em todo barraco

Sempre existem buracos

Desfraldando a estrutura.

Um sofrimento medonho

Fazia parte de mim

Eu parei de estudar

Naquele tempo ruim

Todos os sonhos adiados

Para ganhar uns trocados

Tive que agir assim.

 

Dentro de uma construção

Aos quinze anos fui jogado

O ECA já existia

Porém nem era falado

Pau no lombo e nas “oreias”

Como o jumento na peia

Que Gonzaga havia cantado.

 

Até que as coisas mudaram

Eu até sonhei contente

Que os tempos de maldade

Tinha sumido pra sempre

Veja a minha ilusão

De novo lá estava o cão

Para atentar a gente.

 

E novamente as cenas

Que estavam no passado

Vi surgir em minha frente

Do meu celular ligado

Veio logo em minha mente

Aquele inferno vigente

Que pensei estar enterrado.

 

A fome é algo horrendo

Só quem passou sabe o quanto

É difícil olhar e não

Cair dos olhos um pranto

E a pior das tristezas

É saber que tem riqueza

Mais rápido que um encanto.

 

Entretanto não existe

A tal de política pública

Para sanar esse caos

E isso tanto me assusta,

Porém o que mais me intriga

É ver gente na torcida

Pra que piore essa angústia.

 

Culpando unicamente

As vítimas desse sistema

Os chamando de vagabundos

Dando a eles o anátema

Pedindo que sofram mais

Faz chorar até satanás

Esse é o maior problema.

 

No passado ou no presente

Vejo que nada mudou

A política é a mesma

Muito roubo e pouco amor

Vejo o meu passado horrendo

Ao ver o povo comendo

O pão que o diabo amassou.

 

Espero que logo em breve

Tenhamos mais esperanças

Que venham novos políticos

Nos trazendo confiança

E repense o social

Para dissolver o mal

E nos encham de bonança.

 

Sei que não vai acabar

A peste da fome no mundo,

Mas espero que amenize

O sofrimento profundo,

Fome nos tira o prazer

Só pensamos em morrer

Dos males um dos mais imundos.

 

A quem nunca passou fome

Eu deixo meus parabéns

Aos que assim como eu

Sofreu dessa peste também

Peço solidariedade

Ajude na dignidade

Aos que comida não tem.