CARRO DE BOI

Caro leitor do cordel

Me vem a satisfação

De um carro de boi da infância

Me dê sua permissão

De dividir esta história

Nas rimas de um coração.

Recordar faz bem à vida

Diz o bom velho ditado

Deixar a mente lembrar

É juízo exercitado

Onde houver boa lembrança

Muito terá ficado.

Recordar é ter depois

Sonho de quem dormiu

Nas vestes duma saudade

Carro de boi partiu

Numas rodas barulhentas

Meu coração sorriu.

A saudade me persegue

E não consigo escapar

A lembrança que é tanta

Chega logo ao deitar

Encosto a cabeça e fico

No passado imaginar.

Eu penso naquela imagem

Que ficou tão bem guardada

Inserida aqui na mente

Que tem que ser destravada

Um carro de boi passando

Numa tamanha invernada.

Fortes chuvas daquele ano

Ficou na recordação

O meu avô subindo a serra

E eu no meio com meu irmão

Rindo com daqueles pingos

Batendo fundo no chão.

Neste transporte vinham

Minha vó, irmão e meu avô

Quando logo surgiu

Problema no seu motor

Naquela chuva tamanha

Ele sem força parou.

Não havia nenhum mecânico

E o carro ficou parado

Os quatro naquela chuva

E meu irmão desesperado

Estava, porém, tossindo

E capote foi guardado.

Eu fiquei bastante alegre

E minha avó percebeu

Disse: Tenham cuidado!

Seu neto lhe obedeceu

O meu avô sem plano algum

Bem tentou, mas não desceu.

Minha avó se lamentava

Que me lembro direitinho

Ela pegou o crucifixo

Carro de boi de mansinho

Surgiu naquela estrada

Pro alívio do menininho.

Com meu irmão logo montamos

Na mais profunda alegria

A chuva molhava o rosto

Me lembro daquele dia

O irmão não tossiu mais

Que tão bela nostalgia.

O meu avô foi se aprumando

Ficou ao lado de vó

Olhava sempre pros netos

Pensando naquele nó

Caminhonete quebrada

Não havia coisa pior.

O carro de boi subindo

Na estrada escorregadia

Éramos boas crianças

Já gostavam de folia

Meu irmão querendo cantar

Quase por pouco caía.

Aquele carro era assim

Roda longa de madeira

A zoada vinda dele

Era um som de brincadeira

O meu irmão olhando pro mundo

Estava perto a porteira.

Minha vó tão sorridente

No carro de boi chegou

Dizia algo bem baixinho

Que nunca se decifrou

O dono daquele carro

Era amigo do meu avô.

A lama estava aumentando

E o carro bem lentamente

Como se eu estivesse vendo

Eu ali muito contente

Gostando daquela chuva

Que alegrava tanta gente.

Porteira se aproximando

E o carro se dirigindo

Meu olhar de tanto prazer

Ia então se permitindo

Com todo corpo molhado

Meu irmão somente sorrindo.

Nós entramos num engenho

E meu avô foi perguntando:

- Há aqui neste lugar

Um alguém que a ele pagando

Tirava aquele meu carro

Que na serra foi parando?

Não apareceu seu ninguém

No carro de boi ficamos

Eu e meu irmão, ali tão felizes

Da situação brincamos

Pegamos a poça dágua

E para cima jogamos.

Minha vó logo mandou

A gente dali descer

Muito grande a tristeza

Não queiram vocês saber

Peguei no chifre do boi

Com raiva pra ninguém ver.

Subindo a serra cansado

O carro de boi zoando

Batendo as rodas gigantes

E meus avós sempre olhando

Nos deixando à vontade

Da imagem que vai ficando.

Naquele dia chuvoso

Aquele carro ficou

Na espera por um mecânico

Pois nunca que lá passou

Meu avô depois teve, sim

Que trazer um bom trator.

Pois, só assim desse jeito

A caminhonete saia

E assim este dono dela

O lema resolveria

Para ter bom motorista

Boa grana pagaria.

Caminhonete ali só

E ninguém sem nenhum plano

Não sabia o que fazer

Tome na hora desengano

Um carro sem motorista

Entrava num grande cano.

O trator quando encostou

Caminhonete pegou

Ela bem cheia de lama

Numa corda se aprumou

E eu neste carro de boi

O meu olhar fotografou.

Passouse muito tempo

Carro de boi procurei

Andava por toda estrada

Pois que nunca que encontrei

Muitos poucos na serra

Recordava o que passei.

Eu me lembro um pouco tarde

Um carro de boi avistei

Pras suas rodas, ligeiro

Eu bem que depressa olhei

O som daquela madeira

De tudo aquilo gostei.

Carro de boi, que lembrança

Guardo aqui nessa memória

Desta subida na serra

Nossa Senhora da Glória

Terra molhada de outrora

Que habitou a Mamãe Vitória.

Pois, até hoje me lembro

Daquela tão grande cena

Aqueles dois bois cansados

Que até hoje me dá pena

Mas naquele dia belo

É um sonho que se encena.

Meu irmão também se recorda

Daquele nosso passado

Naquele carro de boi

Achava tudo engraçado

Carro de boi na ladeira

Nosso avô desesperado.

Quando esta saudade aperta

Vou numa fotografia

Tem lá o carro de boi

Escrito com poesia

Que guardo num grande cofre

De uma bela cantoria.

Minha mente tem história

E o tempo é limitado

Esta imagem está viva

É preciso cuidado

Escolhendo uma paisagem

No cordel do meu passado.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 19/04/2022
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