CANTANDO DE TUDO

Eu canto o amor, eu canto o carinho

O horror, o ódio e a malvadeza;

Canto a traição e a safadeza;

O acompanhado e o ficar sozinho;

Canto a roseira, a flor e o espinho;

Canto tudo quanto pedir pra cantar:

Malvadeza, ódio, carinho, amar,

A flor, o espinho, o acompanhado,

A dor do traído, só e abandonado...

Nos dez de galope na beira do mar

Eu canto a cidade, a zona rural,

O comerciante, o agricultor,

O povo que luta; canto o sofredor;

Canto o liberto eu canto o curral;

Eu canto o que é feito, canto o natural,

A troca, a venda eu canto o comprar;

A sede, o sítio, a roça o plantar,

O choro bem preso do enclausurado,

O grito bem solto de um libertado...

Nos dez de galo na beira do mar.

Eu canto a dúvida, eu canto a certeza,

O ontem, o hoje, e o daqui a pouco;

Eu canto o são, também canto o louco;

Canto o retirante e canto a nobreza;

Eu canto o canhoto e a sua destreza;

Canto quem é mudo, eu canto o falar;

Eu canto a Terra suspensa no ar;

Eu canto o sobe e desce da maré;

Canto a prostituta e a Virgem da Sé...

Nos dez de galope na beira do mar.

Eu canto o que doce, o que alimenta;

Canto o azedo e canto o salgado,

O quente bem quente, eu canto o gelado,

O que come pouco e não se contenta;

Canto o mentiroso que tudo inventa;

Canto o falador e o que quer calar;

Eu canto o namoro, eu canto o ficar;

Eu canto a batida de um coração,

A rima, o verso de uma canção...

Nos dez de galope na beira do mar.

Eu canto a seca e a invernada,

A noite, o dia, manhã bem cedinho,

O além do bem longe e o bem pertinho,

O chão do deserto e a mata fechada;

Já do peregrino, canto a caminhada;

De quem quer sossego canto o sossegar,

Dos bichos de asas eu canto o voar

E do mergulhar canto a profundeza;

Do grande infinito eu canto a beleza...

Nos dez de galope na beira do mar.

Eu canto a velhice, canto a juventude;

Eu canto a ciência, canto a medicina,

As drogas nocivas, a penicilina;

Eu canto os prazeres de se ter saúde;

Eu canto o casal igualzinho a grude;

Eu canto os anos sem se separar;

Eu canto o cheirinho de algo no ar;

Canto a procura por algum suspeito;

Eu canto a honra, eu canto o respeito...

Nos dez de galope na beira do mar.

Eu canto o baile, eu canto a festa,

No meio da praça, no clube fechado;

Eu canto o xote, baião e xaxado,

O dançar a dois, eu canto a seresta;

Eu canto o toque que vem da floresta

E o sertanejo que sabe tocar,

O ronco do fole, o resfulengar,

O tum-tum que vem do maracatu,

Chiar da chinela feita em couro cru...

Nos dez de galope na beira do mar.

Benildo Nery,

Um poeta de Montanhas.