A PELEJA DE NOÉ COM ZÉ TOSTÃO (Mentiras de Zé Tostão)

Zé Tostão num bar sentou-se

E foi logo ali dizendo

Que o mundo acabou-se

Quando ele estava bebendo,

Ele um pouco descuidou-se,

Mas logo foi resolvendo...

O Noé foi se zangando

Quando viu o Zé Tostão:

“Você está atrapalhando

E dando uma de cristão,

Fica aqui me atanazando,

Bebendo esse garrafão!”.

“Calma lá, meu bom velhinho”,

Zé Tostão foi respondendo,

“Eu bebo, mas sou bonzinho

E não estou lhe ofendendo,

E se quiser um golinho

Vou logo lhe oferecendo”.

“Afasta pra lá, cachaceiro,

Senão minha Arca vira,

Com todo esse aguaceiro,

Você é uma pomba gira,

Vou lhe jogar num mosteiro

E minhas ordens não fira!”.

Só vou se tiver pinga pura

Lá para eu beber bem,

A solidão é uma loucura

E eu sozinho sem ninguém

Sou igual à saracura

No brejo cantando além.

Não assuste os animais

Que na Arca entrando estão!

Seu cachaceiro incapaz

Que não vale um botão,

Sabes que vai chover mais,

E fica com embromação.

Quero saber, Seu Noé

Se no convento vai ter

Algum churrasco e até

Pinga boa pra beber,

Eu sou um homem de fé

E nunca deixei de crer.

Você não sabe ajudar

Chegou sem ser convidado!

Só sabe se embriagar

E sempre andar xumbergado,

No convento vou te internar

Pra você ficar curado!

Não vou servir de cobaia

No alto lá da montanha

Onde até morcego vaia

Quando a tristeza é tamanha,

Eu prefiro estar na praia

Com cachaça e artimanha.

Num mosteiro isolado

Noé quis pôr Zé Tostão,

E ele ficou agitado

Falando só palavrão,

E Noé, já aperreado,

Liberou o beberrão.

Meu bom velho, olhe pra mim,

Que não sou de mentir, não!

A vida é melhor assim

Carregando um garrafão,

Posso beber até o fim,

Mas me chamo Zé Tostão!

Eita vício sem futuro!

Disse zangado o Noé,

Bebum bate até no muro

E troca a mão pelo pé,

Confunde claro com escuro.

Deixe de beber, Seu Zé!

De beber não vou parar,

Eu amo a pinga "marvada",

Você pode implorar

Com sua voz delicada,

Gosto de me embriagar

E só fazer palhaçada!

Você sabe muito bem

O que causa a bebedeira,

Bêbado não vale um vintém

E também só fala asneira,

Parece um Zé-ninguém,

E a moral desce a ladeira.

Eu venho do meu sertão,

Eu sou filho do Nordeste,

Seu Noé, preste atenção,

Que eu sou Cabra da Peste,

Não venha com gozação,

Já passei em todo teste!

Venha de onde vier,

Mas eu exijo respeito,

Até mesmo o caburé

Que canta inflando o peito.

E se comporte, Seu Zé,

Procure andar direito!

Seu Noé, visto gibão

E perneira na caatinga,

Quem é mole e caladão

Lá no meu sertão não vinga,

Eu amo o meu torrão,

E aqui quero é beber pinga!

Vou parar no Ararate,

E saia do meu caminho!

O cachorro que só late

Tem é que andar sozinho,

Cuidado, que alguém lhe bate,

Por isso fique mansinho!

Seu Noé voz de veludo,

Deixe de conversa feia!

Lampião surrei com tudo

Eu já lhe meti a peia,

E Corisco cabeludo

Eu amarrei com uma meia.

Seu Zé Tostão, por favor!

Pare de beber cachaça!

Você bebendo é um horror

Que deixa todos sem graça,

Chama albatroz de beija-flor,

E cordilheira, de praça.

Conversa pra boi dormir

Quem tá falando é você,

Seu Noé, não vou cair,

Não vou lhe dar o prazer!

Por isso, pode partir,

Que eu sei o que vou fazer!

Bebum do pé de balcão,

E aqui vem me azucrinar,

Eu trabalhando e em ação,

E você só a falar!

Por isso, Seu Zé Tostão,

Por aqui vamos parar!

Vá cuidar da Arca sua,

Seu Noé, preste atenção!

O Sol tá beijando a Lua,

E eu beijando o garrafão!

Não pense que o mar é rua

E a chuva, um chuveirão!

Acho que você pirou

Foi de vez, Seu Zé Tostão!

Seu jeguinho já entrou

Na Arca, ó seu bobão!

E se você cochilou,

O cachimbo caiu no chão!

Seu Noé, volte o jeguinho!

Quero voltar pro sertão,

Não vou nadar num marzinho,

Eu prefiro o ribeirão,

E nadando devagarinho

Eu volto pro meu torrão.

O dilúvio está chegando,

E você aí parado

Bebendo e me atrapalhando,

Por isso já estou zangado,

E você se embriagando

E eu aqui preocupado.

Seu Noé, pare com isso!

Vida agitada não dá!

Eu não tenho compromisso,

Só quero me embriagar,

Pra mim o melhor serviço

É estar dentro de um bar.

Eita bêbado trapalhão!

Estou perdendo a paciência!

Já se vê a agitação

Do mar, e eu na clemência.

Cala a boca, Zé Tostão!

Cheio de pinga e demência!

A bênção, ó Seu Noé!

Vou voltar para o meu lugar,

Ainda dá tempo, e se quiser

Dou-lhe um gole pra tomar!

Pois pinga, família e mulher

Nunca vou abandonar.

Vá com Deus, Seu Zé Tostão!

Muito cuidado na vida!

Deixe de ser beberrão

E vá curar a ferida!

Por favor, não beba, não!

Aqui fico na torcida.

Até parece piada

Um dia eu não beber mais,

Oh conversa engraçada

De Noé cheio de paz,

Mas é a pinga marvada

Que me faz feliz demais.

Você sabe que a aguardente

Estraga o corpo e a moral,

Fica liso e demente,

Doente e passando mal,

Parecendo um indigente

Xingando e achando normal.

Seu Noé, sua conversinha

Parece até o beabá

Ou uma velha ladainha

Que começa sem parar,

Digo-lhe que minha caninha

De beber não vou deixar!

Seu Zé Tostão, pé-de-cana,

Você não tem jeito, não!

Todo dia da semana

Com um garrafão na mão,

Homem da vida insana,

Vou lhe fazer uma oração!

Você vai perder seu tempo,

Eu não deixo de beber!

Bebo sem ser passatempo,

Pois bebo é pra valer,

Não sou santo lá do templo,

Nem pecador quero ser!

Uma obra de ficção.

Autor: Edimar Luz.

Picos-PI, setembro de 2021.

Edimar Luz
Enviado por Edimar Luz em 05/07/2022
Reeditado em 15/07/2022
Código do texto: T7553307
Classificação de conteúdo: seguro
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