LENDA DA COMADRE FULOZINHA

Neste Brasil de Caboclo

De Mãe Preta e Pai João

O nosso folclore é rico

Mas rica é a tradição

Seja no campo ou cidade

É grande a variedade

De crença e religião.

As estórias do sertão

Não é coisa fictícia

Nasce da imaginação

De uma gente sem malícia

Que crê no que está falando

E as lendas se reforçando

Nunca chega à adventícia.

A ocasião é propícia

Que a poesia se avizinha

Vou usar o imaginário

Também da minha terrinha

Que o leitor me compreenda

Quando eu escrever a lenda

Da Comadre Fulozinha.

Uma estranha figurinha

Do sertão paraibano

Também da Zona da Mata

No solo pernambucano

Do Seridó à Ribeira

E a Zona Canavieira

Do Estado alagoano.

Seu domínio é soberano

Sempre pronta a defender

Os animais e as plantas

E adora receber

Presentes dos moradores

Sitiantes, lavradores

Ela sabe os proteger.

Esse mitológico ser

Segundo historiadores

É amável, brincalhona

Gosta de fazer favores

Porém fica enfurecida

Quando a mata é invadida

Por maldosos predadores.

Dizem os historiadores

Que ela faz um entrançado

Com as crinas dos cavalos

E fica perpetuado

Porque por mais que se tente

Nem que os dedos se arrebente

Não pode ser desmanchado.

Com um assobio prolongado

Ela se faz anunciar

Quanto mais se ouve perto

Mais distante ela está

De dia não aparece

Porém logo que anoitece

É fácil de se avistar.

Quem quer na mata caçar

Sem permissão não convém

Porque entra na chibata

Com a fúria que ela tem

É uma surra de arder

Mas ninguém consegue ver

As lapadas de onde vem.

Se quiser se sair bem

Leve fumo, leve mel

Angu, bombom, qualquer coisa

Deposite no vergel

E cace a noite inteirinha

Que terá na Fulozinha

Uma amiguinha fiel.

Já vi em muito papel

Histórias da Fulozinha

Que se perdeu na floresta

Quando era criancinha

E não sabendo voltar

Fez da mata o seu lugar

Ficou vivendo sozinha.

Depois a sua vidinha

Foi-se, partiu, se acabou

Mal acabou-se a matéria

O seu espírito ficou

Pela floresta a vagar

Sem o caminho encontrar

Por isso não mais voltou.

Na história de outro autor

Um amigo da família

Matou a família toda

Deixando a última filha

Que morreu de inanição

E a alma em perseguição

Procura do outro a trilha.

A história se desvencilha

De tudo quanto é pudor

Criando fatos, imagens

De aventuras, de terror

Envolvendo a Fulozinha

Como essa histórinha

Que um matuto me contou:

Certa vez um caçador

Das bandas do Seridó

Que matava sem pudor

Por diversão e sem dó

Saiu pra caçar rolinha

E a Comadre Fulozinha

Deu-lhe uma surra de cipó.

O sujeito virou pó

Porque ela é perigosa

Mas com toda valentia

Ela é também prestimosa

Se alguém estiver perdido

Na mata ou mesmo ferido

Ela ajuda, é generosa.

Só se torna perigosa

Quando vê judiação

Com os bichos ou com a mata

E em sua jurisdição

Só ataca quem não presta

Pois ajuda na floresta

Quem caça por precisão.

Eu conheço um ancião

Que há muitos anos atrás

Se envolveu numa paixão

Quando ainda era rapaz

Se meteu com o proibido

E hoje está arrependido

Porque já sofreu de mais.

Esse sujeito sagaz

Teve um caso de assombrar

No sertão da Paraiba

Onde ele foi parar

Amou uma assombração,

Leitores, creiam ou não

No que passo a lhes contar.

Destinado a viajar

Ele se foi pela estrada

No rumo do pau-da-venta

Até que numa parada

Em Sapé foi informado

Que havia um povoado

Por nome Pedra Lavrada.

A povoação citada

Chamou à sua atenção

Imaginou que o motivo

Fosse alguma inscrição

Numa pedra registrada;

Rumou pra Pedra Lavrada

Em busca da conclusão.

Ao subir o paredão

Que as tais inscrições tinha

Como alucinação

Avistou uma mocinha

Que abalou seu coração

Sem saber que a tal visão

Era ela, a Fulozinha.

Passou a noite inteirinha

Amando aquela visagem

Que correspondia a tudo

Na sua libidinagem

E mostrando confiança

Ainda lhe fez uma trança

Dando-lhe força e coragem.

Depois seguiu a viagem

E ali nunca mais voltou

Num escritório assumiu

O trabalho que arranjou

No centro de João Pessoa

Levava uma vida boa

Até que um dia sonhou:

Em sonho ele se encontrou

Num juri lá no Nirvana

Onde ele era o réu

Numa agonia tirana

Só tinha espírito do mal

E à frente do tribunal

Estava a Onça Caetana.

Pra sua sorte tirana

Os jurados da sessão:

Papa-Figo, Besta-Fera

Moléstia, Bicho-Papão

O Lobisomem, Graguena

E até a Gota Serena

De tudo que é assombração.

Por sua intensa paixão

Foi condenado a penar

E até hoje ele não sabe

Que crime está a pagar

Só que depois desse dia

Começou sua agonia

O seu triste amargurar.

Viu a saúde acabar

Perdeu o emprego, a paz

Foi-se sua juventude

Se tornou um incapaz

Por ferro em brasa marcado

E pra sempre condenado

A não sorrir nunca mais.

Nessa vida contumaz

Lhe resta a consolação

Vinda do desconhecido

A Flor daquele sertão

Que ainda lhe persegue

E só por ela consegue

Conviver com a maldição.

Aquela doce visão

Dessa serra muito além

Que lhe amou a noite inteira

Toda noite ainda vem

Com os seus lábios risonhos

Lhe invadindo seus sonhos

De que ainda é refém.

Já meio século ele tem

E se apresenta agora

De cabelo embranquecido

Da morte esperando a hora

Só lhe restando a lembrança

E no seu cabelo a trança

Que Flor fez naquela aurora.

São Luis, 23/01/2011

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 15

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/11/2022
Código do texto: T7653889
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