MORRO DO QUEBRA PESCOÇO - UMA LENDA DO PIAUÍ

Por este Brasil inteiro

Eu estou sempre escrevendo

Nos lugares onde passo

Muitas lendas conhecendo

E as transformando em poesia

Para ver com alegria

As outras pessoas lendo.

As lendas vão se fazendo

De acordo com a falação

O Estado do Amazonas

Ainda é o campeão

Mas tem cordéis registrados

De lenda em muitos Estados

Da nossa imensa Nação.

Da Bahia ao Maranhão

De Mato Grosso e Goiás

Do Rio Grande do Sul

Paraná, Minas Gerais,

Acre, Rondônia, Pará

Mas de onde você pensar

O Amazonas tem mais..

De rios, de matagais,

Morro, serra, cordilheira

Seja lenda inventada

Ou história verdadeira

Pra manter a tradição

Vou versar a narração

De uma lenda verdadeira.

No bairro de Ipueira

Em Picos, no Piauí

No comecinho de maio

Passando por lá ouvi

Muitos fogos de artifício,

Pensei até ser comício

Que estava havendo ali.

Mas depois eu refleti,

Estava pensando eresia,

Comício no mês de maio?

Em pleno mês de Maria?

Era festa milagrosa

Quermesse religiosa

Que ali acontecia.

Para saber o que havia

Eu interroguei um moço.

«Não conhece a tradição?

Essa festa é um colosso

Que em três de maio faz jus!

A festa de Santa Cruz

No Morro Quebra Pescoço.

Com paciência o bom moço

Me falou da Santa Cruz

No Morro Quebra Pescoço

Nessa colina de luz

Do povo nunca esquecida

Uma tragédia acontecida

Prometida por Jesus.

Chamam Morro Santa Cruz

Pela grande cruz fincada

Sobre corpos enterrados

Numa igrejinha engraçada

Num lugar inusitado

Um oráculo bem projetado

Onde missa é rezada.

No pé da cruz projetada

O cristão paga promessa

O herege se arrepende

De sua vida pregressa

Vem compadre, vem comadre

Humildes aos pés do padre

Os seus pecados confessa.

Enquanto o homem conversa

Vou colhendo informações

Das caçadas que faziam

Entre imensos paredões

Vaqueiros que procuravam

Reses que se embrenhavam

Por aqueles socavões.

Mantendo as tradições

Um ricaço fazendeiro

Para celebrar a páscoa

Ordenou ao seu vaqueiro

Que fosse ao campo e trouxesse

Uma grande rês que desse

Pra churrasco o dia inteiro.

Um cachorro perdigueiro

Que era bom pastorador

Acompanhava o vaqueiro

E nunca o abandonou

Dono saiu disparado

Pra pegar um boi erado

E o cão o acompanhou.

No pé do morro avistou

Pastando um boi cinzento

Que correu subindo o morro

Mais veloz que o pensamento

Vaqueiro, cavalo e cão

Sairam em perseguição

Pra pegar o boi birrento.

Até que em dado momento

Vaqueiro, cavalo e cão

Não vendo o despenhadeiro

Naquela perseguição

No lagedo escorregaram

Lá em baixo despencaram

Indo-se os três sem perdão.

Que triste situação

Foi um castigo danado

Quebrando-se os pescoços

Dos três, que tristonho fado,

Boi se pega em qualquer canto

Mas domingo, dia santo

Por ninguém fora guardado.

Logo o monte foi chamado

Morro do Quebra Pescoço

Por acontecer na páscoa

Esse clima de alvoroço

Com visitantes diários

Atraindo missionários

Homens, mulheres e moços.

No Morro Quebra Pescoço

Família e todo vaqueiro

Na direção do velário

Seguem fazendo aceiro

Com a área se ampliando

Novas trilhas se formando

No meio do marmeleiro.

O morro virou um outeiro

Variamente frequentado

Por romeiros, peregrinos

Penitentes do pecado

Com vertigem, com desmaio,

Todo dia três de maio

Ou qualquer dia sagrado.

Pescoços foram quebrados

De animais e vaqueiro

Ao caírem nessa serra

Não sobrou um corpo inteiro

Provocando desavença,

No dia três toda imprensa

Ao morro chega primeiro.

Ergueiram um grande cruzeiro

Cheio de luz e de cor

Motivando outro batismo

E o povo logo aprovou

Fazendo ao cruzeiro jus,

Pra Morro da Santa cruz

Quebra Pescoço mudou.

Quem grande cruz instalou

Ali naquele local

Fez grande ação apostólica

A noite o brilho é geral

Seus braços cheios de luz

A grande e sagrada cruz

Traz beleza sem igual.

No início o ritual

Da subida até a cruz

Era penoso, difícil,

Mas a fé tudo produz

Hoje a coisa está mudada

E uma extensa escada

Ao topo nos conduz.

Pra alcançar a Santa Cruz

Zé Neguinho, um cabra novo

Com suor e com cimento

No cimo do triste covo

Com fé e obstinação

Construiu todo escadão

Pra melhor subir o povo.

À noite um cenário novo

Parece a cidade luz

Um corrimão colorido

Que se estende até a cruz

Deixa o cenário bonito

Obra de cristão contrito

Cuja devoção faz jus.

Pra chegar aos pés da cruz

Essa obra resistente

Caminho de Santiago

Desse povo penitente

Que o morro santo escalam

E em três de maio propalam

Com felicidade crente.

Padre Valmir, reverente,

Foi o primeiro a rezar

A missa nesse local

Para Deus abençoar

O fatídico desengano,

Em 2011 o ano

Dessa tragédia sem par.

Setembro volta o lugar

A ter a segunda missa

Dedicada à Santa Cruz

Sinal de alta premissa

Os anjos dizem amém

Para a prática do bem

Numa igreja bem omissa.

A cruz o povo enfeitiça

Que a abraça em escarcéu

Em seus braços resistentes

Canta a rolinha, o tetéu,

Patativas, bem-te-vis,

Sanhaçus e juritis

E os anjos lá do céu.

Na escadaria o fiel

Clama pelo criador

Passa por ela o plebeu

Rico, mendigo, doutor,

No inverno o povo agradece

E pede por chuva em prece

Quando é tempo de calor.

No período de louvor

Se ouve lindos cantares,

Viva aquele Três de Maio

Pipoqueira pelos ares

Com devoção e denodo

Alegando o bairro todo

Trazendo emoção aos lares.

As histórias populares

No Nordeste se expandiu

Quem veio ao Morro da Cruz

Dali bem feliz saiu

Com o coração vibrante

Demonstrando um semblante

Que antes nunca sentiu.

Quem aos pés da cruz subiu

De lá não quis mais sair

Quem reza lá com Jesus

Só pode bem se sentir

De cima uma bela vista

A Picos todo se avista

O que nos faz atrair.

O que estou narrando aqui

Quem puder também o conte

Como animais e vaqueiro

Puderam subir no monte?

Pois o vaqueiro subiu

Porque Deus o permitiu;

Eis a verdade da fonte.

Eu também já fui no Monte

No túmulo das criaturas

Sentí em mim mão de Deus

Desenrolando ataduras

Curando-me das mazelas

Admirando as procelas

Com o ar puro das alturas.

Pra mim foi uma aventura

Subir com alguém ao meu lado

Mas posso subir sozinho

Sem que me sinta cansado

Lembrando a calamidade

Já me deu até vontade

De correr atrás de gado.

Deus faz o nosso traçado

Convertendo em bem o mal

Transforma em santa cruz

Qualquer pau do matagal

De nada faz um colosso;

Do Morro Quebra Pescoço

Fez nosso Monte Pascoal.

Brasília, 11 de Setembro de 2021

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 33

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/11/2022
Código do texto: T7654466
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