PALÁCIO DAS LÁGRIMAS - UMA LENSA MARANHENSE

Na Rua 13 de Maio

Frente à Igreja de São João

No canto com a Rua da Paz

Existe um casarão

Sobrado de três andares

Que, segundo alguns falares,

É cheio de assombração.

O Estado do Maranhão

Sempre teve essa proeza

De contar causos e lendas

Criados na natureza

E o folclore aprimorando,

Umas que vão inventando

Outras se deu com certeza.

Veio da Corte Portuguesa

Dois irmãos interesseiros

Explorar o Maranhão

Pensando em ganhar dinheiro.

Com requinte ambicioso,

Um era mais venturoso,

O outro, mais interesseiro.

Um ganhou muito dinheiro

E fortuna conseguiu

O aventureiro, coitado,

Da pobreza não saiu

Pois trabalhar não gostava;

Pela fome que passava

Por pouco não sucumbiu

O mais rico decidiu

Se unir com uma escrava

E tiveram muitos filhos

Que ele com gosto criava

E eram bem educados

Porém, por não ser casados

Nenhum filho registrava.

Amasiado com a escrava

Numa ilegal união

Sustentava sua família

Ainda ajudava o irmão

Vagabundo, preguiçoso

Que por ser ambicioso

Pensou matar o irmão.

Preparou-lhe uma traição

Com seu requinte absurdo

Pois não sendo ele casado

O irmão herdaria tudo

Foi o plano arquitetando

Estratégias estudando

Até ter bom conteúdo.

Depois que arquitetou tudo

Concluiu sua maldade

Assassinou seu irmão

Com requintes de crueldade

Depois do sepultamento

Munido de documentos

Herdou suas propriedades.

Duas casas na cidade

Uma fazenda de algodão

Escravos tinha bastante

E uma boa criação

Para todos garantia

Que de tudo cuidaria

E da família do irmão.

Mas quem tem mau coração

Para sempre será mau

Pois água não vira vinho

Nem açúcar vira sal.

Pois aquele desumano

Transformou-se num tirano,

Algo fora do normal.

Começou a tratar mal

O povo que o cercava

Chicoteava os escravos

Mesmo se não precisava

Sobrinho era na pancada

E também sua cunhada

Só tratava como escrava.

Sempre a chicoteava

Se a ele se dirigia

Os sobrinhos que estudavam

Também ele proibia

Enfim, era um prepotente,

Se ao Diabo fizesse frente

Pra ele o Diabo perdia.

O que ele não sabia

Nem podia imaginar

Desde que o irmão morreu

Ninguém mais ouviu falar

Se ele foi assassinado,

Se existia um culpado,

Enfim, deixaram pra lá.

Mas sempre a investigar

Disfarçado, caladinho

Um filho do assassinado

O mais velho, seu sobrinho,

Nem a mãe imaginava

Que ele os cacos juntava,

Devagar, devagarinho.

Trilhando nesse caminho

Seguindo os rastros do tio

Pois sempre desconfiou

De tamanho desvario

E mentira é água fervente,

É forte enquanto está quente

Mas enfraquece no frio.

O menino descobriu

Que o tio assassinou

O pai que ele tanto amava

Da fortuna se apossou

Matou-o como um cão danado

E de um quarto do sobrado

Pela janela o jogou.

Seu corpo no chão ficou

No meio da passarela

Os transeuntes passavam

E vendo aquela mazela

Ficaram desconfiados.

Olhando para o sobrado

Viram o moço na janela.

Subiram sem mais aquela

Pra lhe dar voz de prisão,

Mulato, filho de escrava,

Não haveria perdão,

Logo na forca morria.

Era a lei que existia

No tempo da escravidão.

Do pensamento à ação,

Um patíbulo foi armado

Bem na frente da igreja

E na frente do sobrado

Com os irmãos observando

E sua mãe suplicando

Foi o menino enforcado.

Um direito foi lhe dado

A palavras derradeiras

Esperando, com certeza,

Que iam ouvir choradeira

Ele a cabeça ergueu

E à família enalteceu

Com palavras verdadeiras.

Começou pelas maneiras

Como seu tio os tratava

Sua mãe que era rainha

Voltou à vida de escrava

Seu pai foi um venturoso

E um irmão ambicioso

Por ser mal os odiava.

«De maneira forte e brava

Hoje desço ao frio chão

Este Palácio de Lágrimas

Que foi nossa redenção

Ver morrer um inocente,

E as lágrimas de minha gente

Jamais se esquecerão.

Te lanço uma maldição

Que se eternizará

Como Palácio das Lágrimas

O povo o conhecerá

Pelas lágrimas e os horrores

Que sofreu seus moradores.

Novo tempo chegará;

Ainda hoje está lá

Aquele velho sobrado

Como Palácio das Lágrimas

Eternamente chamado

A memória eternizou

E a história se tornou

Uma Lenda do Estado

Belém, 24 de Outubro de 2022

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 39

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/11/2022
Código do texto: T7654475
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