O EDIFÍCIO MALETTA EM CORDEL
O MALETTA EM CORDEL
Olegário Alfredo
Toda cidade tem vida
Se tem vida tem história
Agora vou relatar
O que trago na memória
Belo Horizonte é o enredo
Do cordel em trajetória.
Tudo que respira inspira
Faz o dia florescer
A vida corre depressa
Temos muito que viver
O Maletta sempre saúda
Aos que logo vão nascer.
No lugar em que é o Maletta
Ali existia o Grande Hotel
Era o melhor da Capital
Lugar de um bom coquetel
Para os bons intelectuais
Da cachaça e do pitel.
Neste hotel hospedaram
Das Letras, os Modernistas,
Mário de Andrade e Oswald
Com outros tantos artistas
Como Tarsila e Portinari
Também muitos futuristas.
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Por Arcângelo Maletta
O hotel foi gerenciado
Mil novecentos o ano
Mais dezenove no tablado
Indo até trinta e três
Tem seu fim anunciado.
Daí o prédio foi vendido
Em seguida demolido
Surge um empreendimento
Grande conjunto é construído
Recebe o nome de Maletta
O futuro está nascido.
Fica na Augusto de Lima
Esquina da rua Bahia
Bem no centro da cidade
Um espaço da mineiraria
O Maletta é conhecido
Como lugar de boemia.
O Maletta sempre foi
O prédio da diversidade
As mulheres lá tiveram
O gosto da liberdade
Tendo espaço para exercer
Luta e criatividade.
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As mulheres praticavam
Trabalho e cidadania
Podendo entrar e sair
Do prédio, sem tirania
Fumar, beber, jogar
Sem abalar sua alegria.
Quebrando o pudorismo
Da família mineira
O Maletta libertário
Aceita qualquer bandeira
Do roqueiro ao pipoqueiro
E a moça namoradeira.
O seu uso é comercial
Sebo com cabeleireiros
Restaurantes e lan houses
Cantadores seresteiros
Cachaça com pão de queijo
Como gostam os mineiros
Possui 19 andares
Em sua área comercial
Com mais 31 andares
Pela área residencial
É um conjunto efervescente
Famoso na Capital.
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É sobre este conjunto
Um icônico singular
Maletta dos maleteiros
Um sui generis lugar
Ao mesmo tempo plural
Pra curtir ou trabalhar
No Maletta lá conserta
A máquina de calcular
E a de datilografia
É bem fácil de encontrar
No Maletta tem brechós
Tem de tudo pra comprar.
Costureiras, contadores
Existem em vários andares
Advogados com os médicos
Junto outros similares
No Maletta tem de tudo
Agora vamos para os bares.
Do Maletta ora se diz
Um local de boemia
Restaurantes e bares
Reduto da poesia
É a cultura alternativa
Que por ali se irradia.
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Sobre curiosidades
O Maletta é interessante
Primeiro prédio de Minas
A ter escada rolante
Hoje ela está parada
Guardando desamparada
O caminhar do passante.
E temos a loja Aerobel
Fica na rampa primeira
Com variadas maquetes
Modelismo de carreira
Com trens, carros e aviões
Tipo da cena mineira.
O Maletta sempre foi
Um espaço democrático
Com misturas de culturas
Do maluco ao carismático
Do doutor engravatado
Ao poeta mais lunático.
Atores músicos e jornalistas
Todo tipo de vagabundo
Dos que vagam pela vida
Em busca do novo mundo
Solitários do Maletta
Num profundo mais profundo.
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Em encontros no Maletta
Sempre existe novidade
Muitas artes culturais
E de criatividade
São projetos de botecos
Que brilham pela cidade.
Espetáculos de sucessos
No Maletta discutidos
Muitos foram para o palco
E também muito aplaudidos
Outros ficaram só no sonho
Nunca foram concluídos.
Beatnik e underground
Marca de uma geração
Como Macarius e Evaldo
Também o poeta Leão
O Maletta é uma constante
Um pulsar do coração.
Entre atores e diretores
Maleteiros de verdade
Cito o amigo Ênio Reis
Um ser da veracidade
Sabe bem como distinguir
Todo pulsar da cidade.
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O Maletta já aceitou
A turma da capoeira
Ali chiava o berimbau
Depois da roda da Feira
Eu sou cúmplice deste feito
Desta lida mandingueira.
O varandão do Maletta
Lugar da tipografia
Hoje é ponto de encontro
Da moçada da alegria
São bares psicodélicos
Mais cheios de harmonia.
O Maletta do Garçom
Olympio, o Anjo Anarquista
Um símbolo universal
Que gostava do turista
Além de ser bom garçom
Foi humano e altruísta.
O Maletta é república livre
Como uma grande cidade
Nele cabe todo mundo
De qualquer tribo ou idade
O Maletta portanto é
Ponto da diversidade.
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E falando de escritores
Que foram bons maleteiros
É difícil de contar
Vou citar uns pioneiros
Escritores de bancada
Junto aos poetas mineiros.
O Oswaldo França Júnior
Colado com Adão Ventura
Wander Pirolli e Libério
Em tempo de ditadura
Roberto Drummond e o Henry
E tantos pela noite escura.
Ensaístas foram muitos
Maleteiros de carteirinha
Como Isaias Golgher
Fábio Lucas está na linha
Incorporados na listagem
Do icônico Maletinha.
E temos os cineastas
Maleteiros de verdade
O grande Helvécio Ratton
O Schubert, uma sumidade
Que morreu no Maletta
Enfartou sem piedade.
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Outra classe maleteira
Sãos os das artes plásticas
Petrônio Bax e Chanina
Clássicos das onomásticas
Vem o Álvaro Apocalypse
E suas artes fantásticas.
O Maletta pois é uma
Passionária brasileira
Assim dizia seu Olympio
O garçom da saideira
São muitos os que levam
Uma vida maleteira.
Raridades no Maletta
Temos de toda maneira
São os clássicos do cordel
Que estão na prateleira
Livros raros e long plays
Da cultura brasileira.
Bossa Nova, Tropicália
E jornais alternativos
Aqui é fácil de encontrar.
Já entre outros atrativos
Como arranjar uma paquera
Só mesmo ficando na espera
Degustando uns aperitivos.
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O Maletta é portanto,
Travessia musical
Por cá o Clube da Esquina
Dava uma paleta geral
Tocando belas canções
No Bar Club Berimbau.
O Berimbau em BH
No Maletta um grande bar
Recebendo grande músicos
De conversa e de cantar
Foi um local de resistência
Ao governo militar.
São filósofos e ambulantes
São médicos e professores
Os de direita e de esquerda
Como também os doutores
O Maletta é porta aberta
Para todos seguidores.
O Maletta é formidável
Um lugar em ebulição
Como os tipos populares
O jornaleiro Tostão
Fala rouca amplificada
Projeto de um vozeirão.
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No Maletta era comum ter
As reuniões esquerdistas
Como o Jornal “O Debate”
De excelentes jornalistas
Um local de bons encontros
De poetas e jornalistas.
Variedades de comércios
No Maletta tem bastante
Biscoiteria e Alfaiateria
E muitos livros em estante
Filatelia e discoteca
Se somam ao comerciante.
E não há coisa melhor
Aos artistas em geral
Ao findar um espetáculo
Ou um show musical
Pro Maletta ir correndo
Uma gelada ir bebendo
Lugar bom da Capital.
Assim é o ciclo do Maletta
Um lugar bom e acolhedor
E são muitos que partiram
Para junto do Senhor
E são os novos que chegam:
Mais um louco sonhador?
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As cadeiras dos botecos
Da tanto a bunda esfregar
Vão mudando os coloridos
Para um novo transmutar
O Maletta, velho cúmplice
De quem passa pelo bar.
Pois a Cantina do Lucas
Em decisão pioneira
É patrimônio histórico
É tradição verdadeira
Um lugar muito agradável
Desta capital mineira.
O Maletta sempre foi
Um lugar de reuniões
Quer das artes ou políticas
Ou de outras situações
Cumprindo seu papel
De agregar gerações.
“O Lucas”, tribuna livre
Lugar de livre expressar
O Garçom sendo comunista
Em códigos sabia avisar
A presença de paisanos
Da polícia militar.
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Agora, pra terminar
Falo com satisfação
Um escritor formidável
Dono de sua geração
Maleteiro pontual
Da Imprensa Oficial
Que é o Murilo Rubião.
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