Quem canta, seus males espanta! Será?...
Fui até Arembepe, praia do litoral norte da Bahia, que há algum tempo foi reduto de hippies. Qual não foi minha surpresa ao encontrar um insuspeito cidadão arrancando versos das cordas de sua viola em plena feira de artesanato.
Por meio de votação
Barraram o vil imposto
Que tira do cidadão
De cada cheque um tanto.
Nem deu pra sentir o gosto...
E soa assim como um blefe:
“Já que perderam num canto,
Aumentam o tal do IOF”
Os turistas demonstraram mais interesse que o povo da cidade, o que é plenamente justificável. Eles já devem ter visto cada coisa... De qualquer forma, a presença do cantador não passou despercebida.
O mesmo “cara-lavada”
Que veio à televisão
E como quem não quer nada
Falou só coisa bonita,
Agora quer “contenção”.
Encomendou um estudo!
(otário quem acredita)
Vai ver que é pra levar tudo...
Um cabeludo, de mochila nas costas sentou de pernas cruzadas bem em frente ao artista. Em pouco tempo metade da platéia já o tinha imitado.
E ainda tem mais medidas
Que chegam no Ano Novo.
Se forem bem entendidas
Verão que ao fim das contas
Quem paga é sempre o povo
Com seu salário raquítico.
Só não aparam as pontas
Dos proventos dos políticos.
A cada nova estrofe, uns batiam palmas, outros sorriam e a maioria balançava a cabeça. Será que estavam concordando com tudo ou só acompanhavam o ritmo?
Dom Cappio, um homem santo,
Que é contra a transposição,
Não resistindo a tanto
Pôs fim à greve de fome
Com muita decepção.
Em seu protesto extremado
Cobrou promessas do homem.
E, claro, saiu enganado.
“Pobre do padre... Esse cara é cheio de ingrizia”, falou um senhor franzino, pitando seu cachimbo de barro. Todos concordaram com ele
Persiste o conto de fada
Que alguns defendem com brio
E que não resolve nada.
Mas são muitos os interesses.
No fim, deste grande rio,
Um bando de gente prosa
Vai ver em um dia desses
A morte silenciosa.
“Cruz-credo” disse a baiana do acarajé se benzendo. “Falar de morte só é bom quando é pras bandas de lá”.
Um menino passou vendendo fitas do Senhor do Bonfim. “Olha a medida...”
Com morte e com violência
Cidade maravilhosa...
Por que não tomam tenência?
Ninguém assume a culpa.
Que coisa mais horrorosa!
Tomara que até a Copa
A FIFA não dê desculpa
E diga que assim não topa.
O dia de sol, a brisa, aquele mar verde como só o mar da Bahia... Eu que estava pensando em ir à praia não queria sair e perder o espetáculo. O cara tinha uma lógica impecável, e com facilidade a exprimia nos versos que cantava.
Onde está o contingente
Que trabalhando no PAN
Deixou tranqüila a gente
A pé, de carro ou de moto.
Foi tudo despesa vã?
Que diz você, César Maia?
Vai ver ganharam na LOTO
E estão curtindo uma praia.
O motorista do ônibus deu uma buzinada, e percebi que eu não era o único que estava de saída.
E chega de muito papo
Que a condução ta chegando
E eu não tô pra engolir sapo.
Tenham um ano legal.
O mês tá só começando
Mas eu tô indo embora.
Não gosto de baixo astral
Quem sabe depois melhora.
E então, ele agradeceu, pegou o ônibus e seguiu viagem. Eu fui até o local onde tinha parado o carro, dei uma boa olhada na paisagem e também segui meu caminho