O Flagelo da Sêca

O Flagelo da Seca.

O sol rachando a terra ressequida,

Na caatinga a sequidão seguia,

Sumira a passarada, e não se ouvia

Uma única voz lembrando a vida.

Só a plangência lânguida e ressentida

Do mugir do magro gado, torturado,

Sedento, faminto e desfigurado,

Qual sentida oração jamais ouvida.

Aqui e acolá em meio ao cinzento,

Via-se em verde contraste, um Juazeiro,

Que copado, umbroso e altaneiro,

tremulando ao sabor do morno vento

Parecia sugar o último alento

Das formas vegetais esturricadas,

Que preenchiam os ermos das chapadas

Retorcidas de dor e sofrimentos.

Os verdes mandacarus, ainda que saudáveis,

Verdes e fortes braços aos céus erguiam,

Quais verdes monges fossem, que pediam,

A DEUS, em lituânias intermináveis

O alívio do penar dos miseráveis

Seres sofridos que ali inda viviam,

Mesmo os humanos que lá padeciam

De sede, fome e dores execráveis.

Sobre a ávida terra ressequida,

Caem as primeiras gotas do aguaceiro,

O chão a bebe, sôfrego, e o primeiro,

Trinado ouve-se como se a vida,

Ressurgisse alegre, extrovertida,

Da tristeza onde jazera amortalhada,

E o verde como a surgir do nada

Espalha-se na caatinga revivida.

Transbordam os riachos e levadas.

Nas grotas das encostas as águas gorgolejam,

Em bandos, aves ribeirinhas re-voejam,

Surgidas assim como desencantadas,

De um lugar misterioso, onde as Fadas

As mantinham sem que as pudéssemos ver,

Indenes e protegidas, para as trazer

Quando as águas voltassem em enxurradas.

Muge o gado, agora alegremente

Os sapos já coaxam com alegria,

E a passarada anunciando o dia,

Canta de novo como antigamente

E o sertanejo espera o sol contente,

E com ele dirige-se ao seu roçado,

Amanha a terra, e vê o gado

Que pasce, nédio, com pelo reluzente.

Fecha-se o círculo, tudo recomeça,

Mais onze anos se passa, e de repente,

A chuva não retorna, e o sol inclemente,

Faz que a seca terra, tórrida pareça

Uma fornalha, e que tudo se aqueça,

Desverdejando as folhas, e as crestando,

São os sinais da seca que voltando,

Fará que a vida no sertão pereça.

Ciclo inclemente da própria natureza,

Oroboros fatal, círculo eterno,

Primavera , verão, outono, inverno,

Sansara, roda viva da incerteza,

Desespero, alegria, dor, tristeza,

Diviníssima saúde, excelsa peste,

A morte inevitável e inconteste,

Único bem ao homem concedido,

O pesadelo morto e ressurgido

Do flagelo da seca no Nordeste.

Mestre Egídio
Enviado por Mestre Egídio em 18/03/2008
Reeditado em 18/03/2008
Código do texto: T906108