RITUAL SATÃNICO NO TRIBUNAL DO JÚRI.
RITUAL SATANICO NO TRIBUNAL DO JÚRI.
O MARTIRIO DA MENINA,
ELIZETE MOURA LEMOS.
I
Com minh’alma angustiada
Busco em Deus consolação
E graça para escrever
Fazendo uma narração
Do que eu tenho na memória
Contando uma triste história
Que se deu na região
II
Despojado da paixão
De orgulho ou vaidade
Pra não fazer injustiça
Primarei pela verdade
Que liberta o inocente
Mas condena um delinqüente
Com toda severidade
III
Almejando a equidade
Trato as partes com respeito
Entregando ao seu dono
O que lhe é de direito
Pela verdade real
Separando o bem do mal
Para um juízo perfeito
IV
Abolindo o preconceito
Cor da pele ou posição
O montante do dinheiro
A patente ou o galão
Pois todo mundo é igual
Em um justo tribunal
Ganha quem tiver razão
V
Seguindo o diapasão
Que norteia essa história
Rabiscada pelo tempo
No caderno da memória
Hoje eu vejo claramente
A lição que deu na gente
Com a sua palmatória
VI
Nessa perfídia história
Que passou por nossa vista
Como uma tragédia grega
Onde o seu protagonista
Encena o ato final
Cravando ali um punhal
No coração do artista
VII
Sendo assim bem realista
Através desse instrumento
Destacarei as minúcias
Do triste acontecimento
Que aqui em versos conto
Narrando ponto por ponto
Para o seu conhecimento
VIII
Naturalmente atento
Ao olho que tudo ver
E ao ouvido que escuta
Os sussurros de um ser
No mais profundo abissal
Ou no cosmo sideral
Tudo se faz perceber
XIX
Ninguém pode se esconder
Dessa perfeita visão
Capaz de sondar a mente
Os rins e o coração
O passado e o presente
E o futuro está patente
Na palma da sua mão
X
Reforçando essa questão
Duas certezas nós temos
Que dele vem o juízo
Pois conta nós prestaremos
Das palavras e dos atos
E na omissão dos fatos
Bem mais caro pagaremos
XI
Por isso procederemos
Com humildade e prudência
Tangendo essa narrativa
Peço Dele a anuência
Derramando da unção
Que inspirou Salomão
Com o dom da eloqüência
XII
Pra falar da violência
Que vitimou a criança
Elizete Moura Lemos
Morta aqui na vizinhança
Num “ponto” de catimbó
As margens do pataxo´
Se sucedeu a matança
XIII
Na hora em que sol descansa
Antes da lua nascer
“Levaram” a pobre menina
Para um macumbeiro a “ver”
Com tudo já preparado
No “bicho” manifestado
Para um “trabalho” fazer
XIV
Começou logo a morder
O corpo da criancinha
Que gritava alucinada
Socorro minha mãezinha!
Deitada naquele chão
Rendida de pé e mão
Sem defesa a pobrezinha
XV
Mas gritava a menininha
Ainda muito mais forte
Queimada por um cachimbo
Que ali fumava a morte
Sentada nas suas pernas
Despindo as partes internas
Retirando-lhe seu shorte
XVI
O bruxo tinha o suporte
De uma velha macumbeira
Que segurava a menina
Pela sua cabeceira
Fumando e tomando cana
E numa fúria insana
Desceu pela ribanceira
XVII
Puxando na cabeleira
Da criança que gritava
Conduzindo-a para o rio
Para ver se lhe calava
Afundou a inocente
E no fundo lentamente
Sua vida esvaziava
XVIII
O bruxo também estava
Afogando o corpo dela
Depois trouxe para fora
Puxando-a pela canela
Subindo para o barranco
Dizendo; agora eu arranco
O coração que tem nela
XIX
Desabrochando a fivela
Que fechava uma maleta
Retirando para fora
Uma ferramenta preta
E um saco de silício
Pra botar o “sacrifício”
E “despachar” na mareta
XX
Em favor de um “picareta”
Que pousa de cidadão
Que fez pacto com o diabo
Pra ganhar uma eleição
“Apoiado” nos “parceiros”
Os seus “fieis” companheiros
“Ilustres” de “posição”
XXI
Prosseguia na “ação”
O infeliz macumbeiro
Cortando aquela criança
Como faz um açougueiro
Arrancou seu coração
Furioso feito um cão
O demônio carniceiro
XXII
“Operava” o feiticeiro
Tal e qual cirurgião
Extraindo dela o fígado
Os rins e o seu pulmão
O anus, e a vagina
Dilacerando a menina
Na funesta “operação”
XXIII
Arrancou sua visão
Também raspou a cabeça
Talvez para despistar
Pra que ninguém reconheça
Aqueles restos mortais
Mesmo encontrando jamais
Nenhuma pista forneça
XXIV
E assim o povo esqueça
Depois dum tempo passado
O sumiço da menina
Por poucos será lembrado
“Instruía assim o bicho”
Seu “cavalo” num cochicho
Por cima dele montado
XXV
Usando esse desgraçado
Pra o “serviço” no terreiro
Mutilando a criancinha
Deformando o corpo inteiro
Retirando parte a parte
Exibindo a sua “arte”
De modo bem sorrateiro
XXVI
Botou no saco ligeiro
E tomando “providencia”
Jogou o corpo no rio
“Limpando” com diligencia
O cenário infernal
Daquele golpe fatal
Numa flor de inocência.
XXVII
Segundo aquela “ciência”
Precisava se jogar
Os pedaços retirados
Sob uma onda do mar
Antes da lua nascer
Para o satanás comer
Sem ela testemunhar
XXVIII
Depressa sem demorar
Com o feitiço preparado
Correram pra o automóvel
Que ali ficou parado
“Vigiando aquele oficio”
Esperando o sacrifício
Para no mar ser jogado
XXIX
Como estava combinado
Tudo tudo se cumpriu
Mas o povo procurava
A menina que sumiu
Com diligencia caçando
Até que a viram boiando
Quando seu corpo emergiu
XXX
Logo o povo afluiu
Fazendo aglomeração
Na ribanceira do rio
Para um pé faltava o chão
Diante daquele horror
Ouvia-se o clamor
Daquela população
XXXI
Fazendo especulação
Diziam; “foi papa figo”
Outro dizia; to pasmo
Pois nem pensar eu consigo
Diante dessa maldade
A nossa sociedade
Está correndo perigo
XXXII
Espalhou-se esse artigo
Como uma grande explosão
Pelos rádios e jornais
Também na televisão
Em cadeia nacional
Mostrando acena real
Desse povo em comoção
XXXIII
Caminhando em procissão
Pelas ruas da cidade
Da pequena Arapuá
Clamando por caridade
Para o caso em questão
Nós queremos solução
Com justiça e equidade
XXXIV
Chegou na comunidade
Delegado especial
Investigando as histórias
De testemunha local
Dotado de competência
Mas com pouca sapiência
“Inquiriu” um pessoal
XXXV
Levando pra capital
Um sujeito réu confesso
Contando o fundamental
Para o curso do processo
Mas em juízo negou
Dizendo que apanhou
Provocando um retrocesso
XXXVI
Nuca mais houve progresso
Pelo inquérito mal feito
Qualquer um advogado
Leva o “danado” no peito
Recorrendo ao tribunal
Encontra amparo legal
E assim, tudo é desfeito
XXXVII
Reconhecendo o defeito
Ousou a promotoria
Disse em júri popular
Que a prova não valeria
Da forma que foi colhida
A lei não lhe dar guarida
Lamentando assim, dizia:
XXXVIII
“Esperamos que um dia
Um fato novo aconteça
E neste naturalmente
Toda a verdade apareça
Sem a bruta truculência
Antagônica da ciência
E assim, tudo esclareça
XXXIX
Se não, cada um pereça
Na lei da semeadura
Pois se colhe o que se planta
Em toda e qualquer cultura
Quem bater, também apanha
Quem matar, por certo ganha
Como prêmio a sepultura”.
XL
Primando pela lisura
Termino aqui albergado
Pois tudo que escrevi
Está nos autos gravado
Aberto a população
E por qualquer cidadão
Pode ser examinado.
Fim.