PINTANDO O BEM EO MAL, DA MESMA PERSPECTIVA.
PINTANDO O BEM E O MAL DA MESMA PERSPECTIVA.
I
Certo dia, um artista
Foi convidado a pintar
Um quadro para uma igreja
Que pudesse retratar
O bem na face de alguém
Mas, que fizesse também
Nele o mal representar
II
E antes de começar
Ficou muito apreensivo
Por muitos dias a fio
Andou assim pensativo
Por não ter em sua mente
Uma imagem condizente
Para aquele objetivo
III
Num dia contemplativo
Uma idéia lhe clareia
Pois passou na sua mente
Slides da santa ceia
Jesus entregando o pão
E o vinho com a mão
Para quem o trapaceia
IV
Que tinha a cara tão feia
Pois nele habitava o mal
Mas no rosto de Jesus
Tinha uma Luz sem igual
Clareando o ambiente
Então exclamou contente
Eis o bem pra o meu vitral
V
Pois Judas será o mal
E Jesus será o bem
Agora como modelo
Eu vou procurar alguém
Para pintar minha tela
Pois levarei a janela
A visão como convém
VI
Para quem vai ou quem vem
Poder de longe enxergar
Vindo a pé ou a cavalo
Quando a obra avistar
Ficará admirado
Mesmo que venha vexado
Vai o quadro contemplar
VII
Depressa sem demorar
Percorreu pela aldeia
E convidou alguns homens
Pra figurar numa ceia
Que ele iria retratar
Porem não pode encontrar
Um rosto que ele anseia
VIII
Nos homens daquela aldeia
Lhes faltou exatamente
A figura de Jesus
E Judas notadamente
Pra uma reprodução
Daquela grande visão
Que guardou na sua mente
IX
Sendo um pintor excelente
Portou-se com ousadia
Começou sua pintura
Com as cadeiras vazia
Das figuras principais
Deixando em branco os locais
Depois ele os pintaria
X
Pois logo procuraria
Um figurante ideal
Com os traços desejados
Pra preencher o local
De cada um personagem
Que guardara da imagem
Daquele quadro mental
XI
Retratou o pessoal
Do modo que gostaria
Cada um na posição
Com jeito ele os instruía
Colocando em cada canto
“Santo” ao lado de “santo”
Assim o painel nascia
XII
Depois já na freguesia
Num ensaio de um coral
Fitou o rosto dum moço
Que cantava magistral
Pois esse quando cantava
Seu lindo rosto brilhava
Qual aurora boreal
XIII
Esse brilho especial
Prendeu a sua atenção
Pois se repetiu a cena
Daquela outrora visão
Especialmente da luz
Que fulgurava em Jesus
Repartindo aquele pão
XIV
Naquela ocasião
Aproximou-se do moço
Interrompendo o ensaio
Fazendo um grande alvoroço
Dizendo assim; eu achei
A quem tanto procurei
Valeu a pena o esforço
XV
Apresentando um escorço
Que trazia em sua mão
Pediu desculpas pra todos
Justificando a razão
Da fonte da euforia
Pois com o moço cumpriria
Parte da sua missão
XVI
Sem perder tempo então
Dizia ao aspirante
De ministro eclesial
Tu vais ser o figurante
Representando Jesus
Pois seus traços fazem jus
De um Judeu imigrante
XVII
O cidadão exultante
Concordou em cooperar
Com o famoso artista
Que havia de pintar
O quadro da santa ceia
Que toda paróquia anseia
Ver exposto no altar
XVIII
Todo povo do lugar
Envolveu-se no projeto
De reforma da igreja
Desde o piso até o teto
Cuidando ponto por ponto
Logo tudo ficou pronto
Bem acabado e coberto
XIX
Exclamou o arquiteto
Está pronta a construção
Já pode marcar a data
Da sua inauguração
Digam lá pra o sacerdote
Que eu vou dar um novilhote
Para a comemoração
XX
O povo da região
Vibrava de alegria
Porém surgiu um problema
Que a festa adiaria
Faltava ainda o vitral
Para a torre principal
Acima da sacristia
XXI
Nesse momento havia
Já três anos se passado
Que o velho sacerdote
Teria encomendado
Um vitral para o convento
Mas até o tal momento
Esse não tinha chegado
XXII
Estando preocupado
Mandou chamar o pintor
Que mandou sua resposta
Pelo mesmo portador
Diga lá para o bispado
Quando eu tiver terminado
Eu comunico ao senhor
XXIII
Não queria o pintor
Ser assim, tão malcriado
Mas é que todo esse tempo
Não tinha ele encontrado
Alguém para retratar
Capaz de representar
O coisa ruim encarnado
XXIV
Porem num dia nublado
Passando por uma greta
Duma ruela esquisita
Avistou numa sarjeta
Um homem sujo e drogado
Maltrapilho, rosto inchado
Assemelhando o capeta
XXV
Implorando uma gorjeta
Ferido no abdome
O pintor se aproximou
E perguntou o seu nome
Mas ele silenciou
Sua voz se embargou
Só saiu, estou com fome!
XXVI
Chame-me do cognome
De maluco desgraçado
Que atendo comprazer
Não vou ficar magoado
Pois todo castigo é pouco
Pra quem vive como um louco
A serviço do pecado
XXVII
Ficando depois calado
Cabisbaixo e tristonho
O artista recordou
Da visão, que como em sonho
Mostrara-lhe tal figura
Vestido de roupa escura
Igualzinho a do medonho
XXVIII
O pintor disse: a ti ponho
Comida, roupa e dinheiro
Se você me acompanhar
Ó amigo forasteiro
Por traz daquele convento
Está o meu aposento
Eu trabalho num celeiro
XXIX
Venha, vamos cavalheiro
Me dê aqui tua mão
Que posso te ajudar
E assim, muito doidão
Com esforço levantou
Mas logo após desmaiou
Se esparramando no chão
XXX
Buscava o pintor em vão
Por ajuda de alguém
Pois naquela rua imunda
Quase não passa ninguém
Com exceção dos drogados
"Craqueteiros" viciados
Por ali mais ninguém vem
XXXI
Como não chegou ninguém
Resolveu levar sozinho
O infeliz indigente
Por todo aquele caminho
Ainda desacordado
Mesmo ele estando cansado
Não parou nenhum pouquinho
XXXII
Com respeito e com carinho
Lhe acomodou num canto
Aonde outrora pintara
Alguém com rosto de santo
Há poucos anos a traz
Agora o de satanás
No Judas causava espanto
XXXIII
O homem assim, meio tonto
Começou a despertar
E vendo o pintor pintando
Desembainhou a chorar
Pois mais do que de repente
Passou-lhe um filme na mente
Que lhe fez tudo lembrar
XXXIV
Se pondo a lamentar
Como é triste a minha sorte
Bem melhor pra mim seria
Que viesse logo a morte
O pintor lhe disse calma!
Agora descanse a alma
Coma um pouco e se conforte
XXXV
Como queres que eu suporte
Esta vil situação
Minha vida é um inferno
Pra mim não tem salvação
Ontem aqui posei de Cristo
De mim o que resta é isto
Que retratas como o cão
XXXVI
Sou eu, o tal cidadão
Que cantava no coral
Que retratas-te por Cristo
Bem aqui neste local
Hoje com o seu pincel
Usando o mesmo papel
Pintas a face do mal
XXXVII
Cheguei ao ponto final
Sou leproso e drogado
Para mim não tem mais jeito
De morte sou condenado
Fiquei assim de repente
Um velho precocemente
Carcomido do pecado
XXXVIII
Mas sou de tudo culpado
De em mim reinar o mal
Abandonei minha igreja
Por uma paixão carnal
Tornei-me um monstro nocivo
Hoje sou um fugitivo
Por um crime passional
XXXIX
Safei-me do tribunal
Da justiça aqui da terra
Mas eu sei na minha alma
Quem troca a paz pela guerra
O seu fim será fatal
No plano espiritual
A história não se encerra
XL
Foram as últimas palavras
Ditas pelo cidadão
Que confessou alguns crimes
Feito ali na região
Por isso andava escondido
Mas se disse arrependido
Morreu pedindo perdão.
Fim.