UM CHÃO SEM NATAL...

Das crônicas que a vida sempre escreve...

Há muitos anos atrás Durvalino migrou do nordeste para São PAulo, fugitivo da seca que amarfanhara a sua terra.

Homem robusto, jovem, com os hormônios à flor da pele, casara-se aos dezesete anos com sinhá Rosa, mocinha linda, com nome de flor, com quem já vivia há trinta e oito anos quando aqui chegou.

Deixou tudo para trás, posto que lhe era impossível migrar com a mulher e dezesseis filhos, aliás, três deles adquiridos fora do casamento. Rosa lhe perdoara os descaminhos... e criava as crianças.

Mas se justificava: Na juventude o "cabra macho " lá da sua terra, vive "a subir as paredes" e não há nesse mundo uma só mulher que dele dê conta. Mas amava Rosa e lhe prometeu voltar, como todos de lá...e doutras bandas, sempre prometem.

E pelas bandas daqui, cedo conheceu Florisbela, mais uma bela mulher flor no jardim da sua história, por quem se apaixonou perdidamente.

"Foi a primeira vista, dona"- disse-me ele- "amo demais essa mulher".

Florisbela recém saída do casamento, tinha dois meninos pequeninos quase abandonados à sorte , de pés descalços, naquele diminuto barraco de tábuas.

Mas Durvalino amava Florisbela, era trabalhador às tantas, então, assumiu os meninos como seus, e tão logo já presenteava a nova mulher flor com mais uma barriga de gestação.

Deu-lhes de um, tudo! Casa, televisão, geladeira e até celular de última geração.

Tudo parecia bem.

O tempo passou, as crianças cresceram, viraram homens, mas... foram engolidos pelo destino que assola os que crescem na violência gerada pelo abandono social...que destroe a melhor das famílias.

Hoje Durvalino estava lá, sentado à minha frente, aos sessenta e oito anos, trêmulo e choroso, contando-me a sua triste história, enquanto assoava o nariz congesto de lágrimas...

Retirou do bolso uma chave única e a colocou sobre a mesa.

-Ô dona, justo os meninos que criei com tanto amor, me expulsaram de casa. Estou num quartinho, trancado, fugindo deles...em plena noite de Natal. Florisbela só chora, mas não pode fazer mais nada...

Tentei argumentar, lhe mostrar alguns caminhos...

-Nada, dona! Sei que tô pagando pelo que fiz. Abandonei Rosa e as crianças...lá atrás...

E eu ali, inerte, engoli a seco, a lhe presentear com meus ouvidos, e a ter a certeza, acreditem, de não me lembrar dum relato mais forte que a mim tenha chegado numa véspera de Natal.

Texto verídico/nomes fictícios.