Meu presente de Natal

Estive prestes a ver a cara feia da morte, e queria correr. Mas minhas pernas não respondiam. Não saía do lugar. Acordei suado, no meio da noite quente, com mosquitos zumbindo no ar abafado. Minha mulher estava dormindo ao meu lado, e mais uma vez, antevi como seria a angustia de morrer, a sensação de impotência, o ar faltando na garganta seca, o corpo se debatendo em busca de uma libertação...

Mas sabia que a morte não era nenhuma libertação, a morte é o fim de tudo, o apagão total, onde o sofrimento se extingue pois não há mais um ser para senti-la. Então não deve ser de todo ruim. Mas o sofrimento antecipatório é terrível. É assim como a angústia pela estréia de uma peça. Eu que nunca fui ator podia imaginar o que seria isso. Sofre-se antes, durante esquece-se o sofrimento, depois é só alívio.

E assim também deveria ser a dor pela perda, a perda do ente querido, a perda do tempo que se esvai, mais um ano, mais um natal! O comércio comemora os índices de venda, e nós, a boiada, apenas segue o movimento. Vamos lá às compras!

Só em pensar vem uma sensação ruim na boca do estomago, os shoppings cheios, o transito intransitável, a briga pelos estacionamentos, a busca dos presentes.

Mas é assim mesmo, meu caro. Outro rito está se cumprindo. Conseguimos chegar ao fim do ano e vamos emplacar 2010! Outro ano, mais uma chance para, enfim ganhar de presente a tal felicidade, que decididamente não estará em conquistas materiais ou amorosas. Já tive tudo o que podia ter, já bebi tudo o que poderia beber, já comi muito mais do que deveria nesta vida.

Então a felicidade deve estar escondida em fatos bem simples. Um olhar, um sorriso, um abraço, um beijo. De repente, é isso. Nada de eventos retumbantes, erupções de vulcões, tsunamis, furacões. A felicidade pode estar oculta em coisas simples e silenciosas que ocorrem num instante. Foi assim. E agora já passou.