PRESENTE PARA PAPAI NOEL

PRESENTE PARA PAPAI NOEL

Alpercatas no beiral da janela

Abrigavam o meu chasque bagual,

Rogando a Noel, o pai do Natal,

Uma bola ou caminhão-boiadeiro;

Mal sabia que o Noel verdadeiro

Não tinha trenó puxado por renas,

Sussurrava pueris cantilenas,

Trazendo no braço o meu travesseiro.

J.Moraes

Entre os sentimentos de afeto, sorvidos ainda na tenra idade, e sedimentados ao sopro das brisas temporais, sem que tivesse percepção de sua grandeza, e menos de dimensioná-los, dois perenizam-se, a nossos olhos baços, como indeléveis legados: gratidão e retribuição.

Com frequência, vem-nos, à lembrança, o cândido procedimento, eivado de carinho, especialmente materno, de quando recebíamos de amigos e vizinhos um ”agradinho”. Um pão de forma, com linguiça ou torresmo; uma compoteira com figos em calda ou ambrosia; biscoitinhos da vovó; um suculento pedaço de carne, que aguçavam nosso insaciável apetite: com certeza, mais aos olhos que ao estômago. Os recipientes eram cobertos com simples e alvos panos de prato, ataviados com motivos culinários, realçando-se, nos bordados, a paciência e a habilidade. As bordas eram emolduradas com mimosos arranjos em crochê, arquitetados e executados, quem sabe, ao longo de quantos fins de tarde? Naturalmente, era um desafio constante a mãos e olhos que testemunharam tantas invernias ao calor de braseiros e lampiões a querosene. Patrimônios que se cristalizaram na alvura dos cabelos, mananciais em que os progênitos colheram inspiração. Nessa época ainda não dispúnhamos de embalagens plásticas ou similares.

Dias depois, procedia-se ao agradecimento, que já o fora com palavras, beijos e abraços, retribuindo-se com apetitosas delícias caseiras. Preconizava-se, no dar e receber, a gratidão e a retribuição mútuas: inconcebível devolver-se uma travessa vazia. Quando a iniciativa partia lá de casa, a postura não se diferenciava.

Em muitas comunidades, alguns dias após a chegada de novos vizinhos, as boas-vindas tocam à porta pelos abraços afetuosos de casais, dulcificados numa tentadora torta de morangos ou de chocolate.

Não lembro quando me apresentaram Papai Noel! Se é que o fomos! Se é que devíamos tê-lo feito. Recordo, outrossim, que por algum tempo, mesmo que exíguo, o respeito a meus pais, o bom comportamento, a linguagem sem “nomes feios”, a harmonia fraternal estavam condicionados aos presentes de um pai que visitava o filho, uma vez por ano, e sempre o fazia, à noite, quando estávamos dormindo. Como não me deixar seduzir pelo brilho das luzes? Como descer pela chaminé? Talvez fosse privilégio a poucos! Às intrigantes perguntas de corpos celestes que se moviam, à época estrelas cadentes, recebíamos como resposta que era o meigo velhinho, vigilante, retornando à Lapônia. A fantasia sobrepunha-se, incontestavelmente, à realidade. Imaginava quão felizes eram os filhos do bom velhinho: poderiam escolher o que quisessem e quando desejassem.

Pelas limitações de nossos pais, nem sempre o pretendido ou esperado era viável. Justificava-se que havia sobrecarga de pedidos e que talvez no ano seguinte, dependendo de nosso comportamento, fôssemos agraciados.

Em pouco tempo desfez-se a ingenuidade pueril, se é que o deveria, e se é que o foi. Ao saber que Papai Noel era o pai de cada um, tomamos ciência de que, parte de nosso onírico castelo erguera-se sobre a fragilidade da areia. Ruíra de dentro para fora. Paredes sentimentais não detiveram o fluxo das lágrimas. As ondas o levaram, deixando apenas resquícios, que talvez carregue até hoje.

A consciência fez-nos valorizar o esforço, a duras penas, de nossos pais na aquisição dos bens materiais e no culto à fantasia. Quem sabe fundamental aos passos primeiros?

Do muito que ganhamos, tão pouco retribuímos. E a dor é mais intensa porque poderíamos tê-lo feito bem mais. Nosso Papai Noel partiu cedo a uma viagem sem retorno. Deixou-nos pacotes de saudades e embalagens com exemplos que intensificam nosso orgulho. Na árvore da vida, ornada com sábios conselhos, os arminhos são laivos a indicar o caudal por onde navega a fraternidade cristã. E no topo, nem sempre a estrela brilha, pois se reserva a cada um de nós, ante os entraves, descobrir a luminescência.

As águas dos córregos tornaram-se rios. À semelhança de tantos, tornei-me pai, avô, inicialmente Papai Noel. Até o fui em nome da ilusão e por alguns “trocados”. Sentimos na carne as duas faces da moeda. Por certo, frustrei meus filhos, estimulando quimeras. Nossos trenós e renas também se foram. Por ironia ou vaidade, trago o branco na barba. Do pouco que dei, muito recebi: filhos lindos, amigos, imaculados no caráter. Agradecer é a nobreza do sentimento. Retribuir é o privilégio da escolha.

Sempre fomos distinguidos com a doação. Temos procurado, quer na mansidão dos regatos ou na inclemência das tempestades, uma forma de retribuição. Árdua tarefa. Resta-nos estender as mãos e levar um pouco de amor aos mais necessitados. Modesto, contudo sincero nosso presente ao meu Papai Noel – (Francisco Nunes).

Com afeto,

Jorge Moraes - jorgemoraes_pel@hotmail. com - dezembro de 2012

Jorge Moraes
Enviado por Jorge Moraes em 17/12/2012
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