Encontre sua estrela

Encontre sua estrela.

Na noite consagrada ao cristianismo, pelo menos uma pessoa não estava diante da mesa composta para a celebração de final de ano.

Dentro do quarto sem luz, Mariana levantou seu rendado véu. Por minutos observou o céu. Nem sinal da Estrela-guia. Por mais que procurasse, não a via.

O que estaria acontecendo? Algumas nuvens escondiam até a Lua. Talvez sua rota tivesse se tornado mais elíptica. Por conseqüência, estaria mais afastada de nossa visão. Ou seria culpa da degradação que nós alimentamos ao longo de nossas vidas e distorce nossa emoção?

Talvez tenhamos perdido o prazo. Com a atual correria desenfreada nossa agenda ficou atropelada. Não temos tempo nem para uma consulta médica. Nem para atender alguém da família que sobrevive desmanchada.

No lugar da missa passamos a dar atenção aos programas de TV que exibem nossas intimidades julgadas em paredões arrecadadores. Da bolsa retiramos a Bíblia por ela ser pesada. Mas sacrificamos o ombro carregando o notebook apesar da nossa coluna danificada.

A verdade mudou de roupagem. Um papo de 30 minutos do vizinho convicto que encara você, perde sua credibilidade se o desmentido aparecer por um minuto numa tela de LCD.

Mas o que mudou no mundo? As árvores agora são vermelhas? O planeta alterou sua rotação? Mariana acreditou que certamente perdemos a razão.

Um desabrigado sob a ponte usando roupa esfarrapada só serve para ilustrar uma narrativa para impressionar uma desobediente criança malcriada.

Corpos sacrificados diariamente em chacinas sem sentido lógico perderam espaço para o que o que é “politicamente correto” no cenário ecológico.

A banalização da gratuita violência já se tornou tema de contos infantis que servem para adormecer quem cedo perde a inocência. Povoam os games onde “matar” em confrontos nos trazem mais pontos.

Facebook, Twitter, Instagram, Orkut são tentáculos das redes sociais que cada vez nos isolam mais!

Florestas e animais indefesos estão sendo dizimados em nome dos lucros elevados.

Depois de tantas poucas atribulações cerebrais, Mariana se debruçou no peitoril da janela que se defrontava com as montanhas cheias de pontos luminosos e soltou a voz em direção ao infinito que esconde as artimanhas.

- Alo Papai Noel. Sei que você não precisa de e-mail, MSN nem secretária eletrônica para receber minha mensagem solicitando um simples presente neste dia. Apenas me diga: onde está a Estrela-guia?

Quedou de joelhos sobre a poltrona esfarrapada e com calma fechou os olhos para apenas escutar sua alma.

Após 30 segundos com as mãos unidas sobre o colo, seus lábios se descolaram dando início a um sorriso suave. Sua face agora estava úmida não devido aos respingos da fina chuva. Recebeu a resposta pelo pulsar de seu coração que inicialmente ecoava desordenado pelas lembranças das antigas promessas natalinas não atendidas. Depois ele se acalmou e passou a bater de forma melodiosa. Seu rosto de criança iluminou-se pela chama da esperança.

Saiu de casa sem incomodar seus vizinhos que gargalhavam sob o embalo das cervejas. Comprou alguns panetones e pacotes de leite na loja do posto de gasolina. Desejou Feliz Natal à atendente menina. Atravessou a rua em direção aos abandonados que se abrigavam no jardim da praça em frente.

Por não olhar para trás, não percebeu o rastro de pegadas cintilantes que seus pés deixavam através do asfalto molhado que cobria a rua.

Haroldo P. Barboza – Vila Isabel / RJ