OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA

... Ah! E os Natais...? Esses, não esqueci nunca! Havia o presépio que nós próprios armávamos: uma montanha feita de cartão amolgado e forrado de papel de seda, onde colávamos erva e areia e onde não faltava o rio onde bebiam as ovelhinhas, imitado por um velho caco de espelho; e na gruta (uma caixa de sapatos bem disfarçada), o burro, a vaquinha e os três reis magos, majestosos nos seus camelos de barro. Tudo se nos afigurava tão real, que até o Menino Jesus nas palhinhas, entre o S. José e a Virgem Maria, parecia sorrir para nós... Depois, o grande pinheiro natural colocado a um canto da sala, que enfeitávamos de bolas e fitas multicores e pequeninas lâmpadas que ora se acendiam ora se apagavam, num piscar ininterrupto. E na hora das prendas, as bonecas, umas de celulóide outras de pano com cabecinhas de porcelana; os miniaturais serviços de chá, os pianos, os xilofones – brinquedos que o meu padrinho escolhia pessoalmente na “Quermesse de Paris”, hoje desaparecida, trucidada pelos grandes Centros Comerciais. Ainda me recordo do meu primeiro desgosto, quando Eduardo arrancou as pernas e os braços à minha boneca preferida. Sabe que ainda a tenho? Mandei consertá-la no “Hospital das Bonecas”. Mais tarde, vieram os livros de histórias de fadas e princesas, os puzzles, as ardósias com giz de cores... Era uma festa! Ainda retenho no nariz o cheiro que vinha da cozinha, uma mistura de bacalhau cozido com grelos, peru assado, filhoses e rabanadas. E que dizer da ingenuidade com que colocávamos o sapatinho na chaminé, duvidando infantilmente se o Menino Jesus se lembraria de nós? Só o saberíamos depois da ceia, que se iniciava impreterivelmente à meia-noite! Entretanto, preparávamos pequenas trouxas de roupas usadas, embrulhos com doces acabados de fazer e alguns brinquedos já postos de lado, e descíamos à rua, onde, fazendo nós próprios de “meninos-Jesus”, os ofertávamos às crianças menos afortunadas. Mas, mais do que a ceia e todas as guloseimas que ela implicava, mais do que os brinquedos, o pinheiro e o presépio, o que ficou gravado em mim até hoje, foi a alegria, o calor humano, o espírito de família e de solidariedade, a campainha que não parava de tocar, trazendo sempre mais um. E para que ninguém ficasse sem a sua surpresa, nós, que não tínhamos mesada como as crianças de hoje, recolhíamos os tostões dos nossos mealheiros e corríamos à rua para comprar à pressa mais um cartão de Natal, uma caixinha, uma caneta, uma bugiganga qualquer, que embrulhávamos e atávamos com papéis e laços coloridos, como se fosse a prenda mais valiosa do mundo. Não era o valor do conteúdo que contava, mas a alegria de dar, distribuir... Isso nos fora ensinado pelo exemplo.

Carmo Vasconcelos

Lisboa-Portugal

Excerto do Romance "O Vértice Luminoso da Pirâmide"

In: http://www.delnerobookstore.com/bibliotecas_virtuais/carmo_vasconcelos

e http://www.abrali.com/ecosdapoesia/escritores/carmo_vasconcelos_prefacio.htm

Carmo Vasconcelos
Enviado por Carmo Vasconcelos em 03/12/2005
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