Tio Franco

Por Pedro Sarno (meu primo)

Tio Franco, de Poções, que só é franco no caráter e nas atitudes. Tio Chico, que é sanfranciscanamente puro, como o é o outro, de Assis. Sebastiano Amedeo, nome imposto, sabe-se lá porque, na pequena Mormanno, molti anni fa. São muitas as palavras para designar uma só personalidade, como são necessárias muitas palavras para formarem uma oração ou uma poesia: no nosso caso representam um santo. Sim, porque santificado é o homem que leva uma vida de retidão, de fraternidade, de honestidade e de bondade.

Sua presença respira, inspira e transpira alegria e bondade.

Convidado por Meu Pai desenraizou-se da sua bela, selvagem e montanhosa Mormanno, com sua família, vindo implantar-se na nossa cidade, onde o carinho e a amizade de todos transformaram-no nessa legenda de bondade. Trazia o agitado Pietro e o tranqüilo Michele e mais tarde nasce a doce Elisa e o simpático Luiz Eduardo, ambos frutos da terra. Dessa terra que os acolheu carinhosamente. Sabe-se que as árvores quando transplantadas adultas muitas vezes se ressentem e às vezes secam. Mas, o solo da nossa cidade formado pelas mentes e corações de todos, fizeram com que se firmassem e crescessem, com seus filhos, atingindo a terceira idade com o respeito, a admiração e o carinho dos que o conhecem.

Para ficar entre nós deixou sua cidade implantada no alto de uma montanha, com suas casa construídas com pedras centenárias, todas agrupadas como num presépio e parece que se juntam para melhor resistirem ao vento e ao frio que sopra lá em cima, para vir a uma outra cidade, cujo desígnio maior se projetava para o futuro. Sua cidade natal vista do alto mostra a coloração vermelha dos seus telhados e o cinza das suas paredes de pedras. Deixou a piazza Umberto I com a Cattedrale S. Maria Del Colle, na qual há um degrau na parede lateral, onde os homens se reuniam para papear e a todo momento recebe-se um convite para prendere un bichiere de vino, convite esse sempre gostosamente aceito. A Cattedrale é imensa em relação à sua população, mas por ela se mede o tamanho da fé dos seus filhos. Deixou a Chiesa de S. Rocco, o Faro Votivo ai Cadutti Calabresi, que fica a cavaleiro da cidade e de onde se domina toda a paisagem. De lá se avista um vale, cercado de montanhas rochosas e cujos cumes parecem sentinelas com capacetes de aço. Trocou a neve de sua terra pelas água quentes e correntes dos nossos rios. Trocou as uvas da Calábria pelas uvas de Poções. Trocou o ar frio de sua montanha pelo clima também frio da nossa. Trocou os cuores aquecidos dos seus conterrâneos pelos corações quentes da amizade dos seus muitos amigos e parentes. O que ele não trocou foram os sentimentos, a pureza e a serenidade de espírito.

É impossível falar de tio Franco sem falar em Ana Maria, como impossível falar em Ana Maria sem falar em tio Franco. É a junção dos puros, da harmonia, dos perfeitos e do amor.

Que vida curiosa tiveram eles: metade na sua terra natal e outra metade nesta a qual souberam conquistar.

Conhecemos tio Franco antes de vê-lo. É que Meu Pai, ao regressar da Itália, falava nele, sempre com palavras elogiosas e não descansou enquanto não conseguiu tê-lo junto a si. E sua Ana Maria foi sem dúvidas uma das melhores, senão a melhor amiga de Donaninna, Minha Mãe, numa união de espíritos e corações que não se encontra com facilidade.

Travando sua batalha do dia a dia, construiu seu patrimônio material e, sobretudo o espiritual. Simples e bondoso no trato com as pessoas, vendo no outro sempre um semelhante, criou em torno de si uma legenda, diria um halo de simpatia e alegria, daquela alegria interna de quem viveu para o bem e combater o bom combate.

Conversa como um bom italiano, agitando as mãos e refletindo na face aquilo que vai na alma. Fisionomia transparente, porque nada tem a esconder. Transparência que mostra a pureza de sentimentos que o anima. Pureza que é o motor que anima e impulsiona seus gestos, suas atitudes, seu comportamento.

Incapaz de ofender, praticamente não necessita perdoar, pois não têm desafetos. Nunca o ouvi palavras de recriminação, mesmo quando tinha motivos para fazê-lo.

Graças à sua herança telúrica que leva os peninsulares à não se afastarem da terra, construiu o seu refúgio em Morrinhos. Entre árvores, flores, aves, o rio, as estrelas e o firmamento, recupera suas baterias de bondade para utilizá-las em velhos e novos amigos.

Chega aos oitenta anos com o controle físico e espiritual do corpo e da alma. Conseguiu deixar a marca da sua personalidade ao longo dos caminhos que percorreu. Deixou pedaços de sua alma, mas forma as partes do amor e da amizade que logo se reconstituíram porque a matéria prima para esta reconstituição nunca lhe faltou.

Olhando para seus filhos, netos, parentes e amigos, muitos amigos e muito, muito em especial para a sua Ana Maria, ele pode erguer os olhos para cima e agradecer ao Criador por tudo o que lhe deu ao longo de sua vida: saúde, paz, amizade, carinho, amor, e tudo aquilo que constitui a meta de todos nós, que é chegar a uma fase da vida em que realizamos os nossos mais íntimos desejos e as nossas mais secretas aspirações.

A árvore se conhece pelos seus frutos. Contemplando zio Franco com zia Ana Maria, seus filhos e netos, podemos seguramente afirmar: Eis um homem feliz, eis um homem realizado. Eis um homem que realizou a maior tarefa que alguém pode se propor, que é a construção de um reino, que é acima de tudo um REINO DE AMOR.

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 23/05/2008
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