Mormanno / Poções - eternas em meu coração

Mormanno (Itália) foi o berço de partida dos nossos antepassados. Em busca de trabalho e de desenvolvimento escolheram Poções pelo clima frio, fartura de terras e potencial para o comércio. Hoje, entretanto, busca-se, de forma contrária, esta trajetória.

Nos preparativos da viagem, tivemos a colaboração de Eduardo Sarno, que nos reforçou com as informações do quadro genealógico da família SANGIOVANNI na Itália. Nos solicitou o registro fotográfico da viagem, inclusive dos parentes, nos orientando sobre as informações históricas da família que devíamos conhecer ou nos informar. No retorno, nos auxiliou na preparação dos álbuns fotográficos para que contivessem o máximo de informações e na preservação dos negativos. Foi também o maior incentivador para que surgisse este relato escrito.

"Nos meus tempos de criança, em Poções" (nasci a 13/10/56), era possível aprender o italiano dialetal, informalmente, tão somente pelas reuniões de família. Nossas famílias possuíam gramáticas, livros e revistas italianas renovadas por recebimentos irregulares via correio. Era comum as crianças se juntarem para olhar álbuns, ler este material e conversar como seria a terra dos italianos e a história de vida de cada um. Na época, não era permitida a permanência até tarde nas festas públicas, noturnas, e nos velórios. Nós, menores, tínhamos a oportunidade de fazer a reunião entre os primos toda vez que aconteciam os eventos. Havia uma rigidez na educação dada pelos nossos pais e esta só foi quebrada após o ano de 1964. A participação dos primos mais velhos e de outros parentes nos movimentos estudantis do período pré e pós ditadura militar contribuiu para isto. A coragem dos bravos italianos estava retratada nas ações de esquerda dos seus filhos. As famílias italianas sempre foram responsáveis pela imposição de um padrão ético diante da sociedade poçoense e pareciam ter a certeza de que o tempo se encarregaria em responder que aquela atitude estava correta.

As condições econômicas adversas das últimas décadas não permitiam aos italianos o fácil retorno à sua terra natal, mesmo que a passeio. Viviam com imagens eternas do tempo em que vieram “fazer a América”, do pós guerra e da frágil economia do sul da Itália. Esta visão era passada para filhos e netos e, evidentemente, a imagem de sofrimento era aliviada pela vida que encontraram aqui no Brasil. A possibilidade de uma viagem à Itália sempre foi descartada pela maioria dos italianos e, mais recentemente, já em 1980, meus pais retornaram a passeio. Para eles uma viagem, para mim o início do planejamento que só tomou forma após a sua segunda viagem em 1985. Em seguida, os primos italianos começaram a nos descobrir com a vinda de dois deles com as suas famílias (primeiro Pino, Maria e Anna Maria, depois Pietro, Maria Pia, Milena e Luisa).

Eu e Bete (Maria Elizabete Fagundes Sangiovanni), minha esposa e grande companheira desta viagem, traçamos o roteiro de forma que pudéssemos aproveitar um pouco da Europa através de excursões e a Itália em companhia dos parentes, com permanência em Ravenna e Mormanno. Vocês terão uma série de informações das pessoas que conhecemos na viagem da forma que pude me lembrar. Outros terão apenas os nomes citados em função de não ter feito registros escritos.

Embarcamos para Madri, via Rio e Frankfurt, na Alemanha. Depois de alguns dias de viagem estávamos em Viena, numa manhã fria de quatro de outubro de 1990, com destino à Itália. Outros companheiros de viagem, também descendentes de italianos, seguiam para Salerno. Havia um clima de euforia e cada vez mais perto da fronteira italiana, o espaço junto ao motorista era ocupado para apreciarmos as paisagens. Estava apreensivo. Estava perto da história.

Chegamos pela região de Friuli-Venezia-Giulia. Especialmente, escolhi uma folha do passaporte para que o guarda alfandegário carimbasse a entrada triunfal na Itália. O guarda entra no ônibus com um carimbo e a cada cinco carimbadas torna a passar na carimbeira. Azar o meu que fiquei em quinto e a marca do carimbo é quase ilegível.

Não nos permitiram atravessar a fronteira a pé - Burocracia é igual em qualquer lugar. Fomos obrigados a fazer um percurso de 20 metros dentro do ônibus. Descemos e o gesto incontinente foi beijar o solo italiano, repetindo o Papa João Paulo II. Uma atitude gostosa de fazer regada a um pouco de sacanagem e doses de uísque.

Seguimos viagem pela auto-estrada com destino a Veneza, onde seria a nossa primeira noite em solo italiano. Admirava a perfeição das estradas e pensava nas dificuldades para se construir. Planas em meio a uma cadeia de montanhas. A quantidade de túneis era fantástica. Dizem que os italianos são detentores da mais alta tecnologia européia na construção de estradas. Não perdi a oportunidade de apreciar esta tecnologia e os seus detalhes.

Na primeira parada, em Udine, fui testar o meu italiano. Percebi que as pessoas entendiam com certa dificuldade e paciência o meu dialeto mormanolo. Fui ficando despreocupado com a questão da língua, o objetivo era estar na Itália.

Era noite, passava das seis, e já se avistavam as luzes de Veneza. Pegamos um pequeno ferry que nos levou à via de acesso ao nosso hotel, em terra bastante firme. Durante a travessia, tivemos a oportunidade de beber a primeira rodada de chope italiano, aumentando ainda mais o nosso entusiasmo e alegria.

O hotel de Veneza foi a primeira decepção. Camas ruins e café da manhã não incluído. Deixamos as malas no quarto do hotel e fomos conhecer Veneza, à noite. Desembarcamos na Piazza di San Marco debaixo de chuva e procuramos abrigo para ouvir as histórias da cidade. Ligamos para Ravenna, falamos com Maria e Pinnuccio, nossos primos, com quem passaríamos a primeira semana na Itália. Maria é filha de Tio Raffaele e Tia Miminna, a irmã de meu pai. Pino, Pinnuccio, era o chefe da estação de trem de Ravenna e estavam mais eufóricos que nós, aguardando o encontro que aconteceria somente no domingo em um hotel de Florença. Estávamos numa sexta-feira.

No dia seguinte, misturados a milhares de turistas, estávamos dando milho aos pombos - os pombos lembram aqueles da Praça do Elevador Lacerda. Comprei um chapéu toco e pechinchamos um passeio numa gôndola para quatro casais. Pagamos 7.500 liras por um passeio de pouco mais de ½ hora (1200 liras = 1 dólar. Havia instabilidade cambial do dólar em função da Guerra no Golfo. Enquanto estivemos na Itália, o dólar variou de 1200 liras/dólar para 900 liras/dólar no período de 15 dias).

Depois de um dia apreciando canais, artes, fabricantes de cristais, ratos e as divertidas características da cidade, nosso destino era o terminal de ônibus turísticos chamado Tronchetto, onde o nosso ônibus esperava para seguirmos viagem a Assis e Florença. Do centro de Veneza a este lugar, eram necessárias duas embarcações. Não sabíamos em qual ponto do percurso deveríamos saltar para pegar a segunda embarcação. Perguntei a um marujo e ele disse que a partir de determinado ponto até o final da linha, podíamos desembarcar em qualquer lugar. Desligados, conversávamos sobre a cidade quando fomos surpreendidos por um marujo italiano mal educado que berrava: "Fuora, via, fuora via". Aquilo superava as minhas expectativas da educação italiana e acabou me irritando. Fui perguntar sobre a embarcação de Tronchetto e continuou a nos enxotar e, lógico, nos entendemos aos “gritos”. Ele ao estilo italiano e eu ao estilo brasileiro. Mandei tomar no "tronchetto" dele.

Passamos por Assis e seguimos para Florença. Chegamos à noite e sentíamos a proximidade do contato com a família. Depois de alojados no hotel, nos arrumamos e descemos para tomar alguns drinques despedindo dos amigos que seguiriam viagem pelo resto da Itália, França, Espanha e, depois, Brasil.

Passei uma noite bastante apreensiva e as horas eram eternas. Pela manhã, tomamos o café ainda com o grupo e nos despedimos definitivamente. Tínhamos tido uma boa convivência e sabíamos que o reencontro com eles se tornaria difícil a partir daquele momento. A espera por Maria nos alegrava e em muito. Voltamos para a recepção e percebemos o tamanho da bagagem. Qual será o tamanho do carro de Maria?

Pontualmente, às nove, ela chega. Muito emocionada, elegante, acompanhada da amiga Cicci, descia de um Fiat 1000. Maria não tinha “machina grossa” (assim eles chamam os automóveis maiores, próprios para viagem). Acomodamos os volumes menores no fundo do carro. Conseguimos algum espaço no banco de trás e, entre nós, a mala maior. De Florença a Ravenna somente pude ver Bete através do retrovisor.

Maria falava pelos cotovelos e Cicci não entendia muita coisa porque era em dialeto mormanolo. Pinuccio (marido de Maria) e Ana Maria (filha deles) esperavam por nós em Ravenna já próximo ao meio dia. Uma bela “pasta asciuta” (macarrão sem caldo e condimento), o vinho de Mormanno, pão e pimentão frito compunham a mesa. Pino estava se refazendo de uma cirurgia no olho e não estava bebendo, fazendo questão de comemorar a nossa chegada com um champanhe francês, em grande estilo.

A "passegiatta" é um costume cultivado pelos mais antigos. Durante a semana que passamos lá, sob sol ou chuva, não perdíamos o convite para dar uma voltinha nas ruas da cidade. No domingo a noite, aproveitando a oportunidade, fomos parar em um bar para um último copo de vinho.

Pino e Maria sempre elegantes, orgulhosos, apresentavam os primos americanos para os amigos. Conversamos rapidamente com um casal que estava com os dois filhos e encerramos a caminhada com um café em uma das muitas cafeterias da praça.

Ravenna é uma cidade histórica e existe há séculos antes de Cristo. Ponto importante e estratégico, tornou-se a capital do ocidente romano (Adriático) no ano de 395. Lá estão os mais famosos mosaicos da Europa, de predominante cultura bizantina, e a tumba de Dante Alighieri.

Na segunda feira, começamos o dia passeando pela cidade e por volta do meio dia estávamos no hospital geral de Ravenna para visitar uma das crianças vistas no dia anterior. Ela havia caído na escola e fraturado o cotovelo e se submetia a uma cirurgia delicada. Aproveitei para saber um pouco sobre o funcionamento da assistência médica para o povo. Os hospitais não possuem apartamentos. No máximo existem quartos coletivos de quatro ou oito leitos, divididos em alas por definição de sexo. Não há necessidade de pagamento pois o atendimento é feito pelo INPS (tem o mesmo nome mas funciona) e médicos com especialidades nas melhores universidades italianas. Não há restrição para as visitas entrarem nos hospitais, porém as pessoas compreendem e não invadem as áreas de tratamento. Nós ficamos em uma sala de espera e tivemos acesso ao quarto coletivo apenas quando houve o consentimento do médico ou enfermeira. Meses depois ficamos sabendo que o garoto estava bem e com todos os movimentos recuperados.

Maria já havia feito a programação da semana: - Terça (09/10), San Marino e Rimini; - Quarta (10/10): Bologna (visitar a cidade e almoçar com Ana Maria; - Quinta (11/10): Florença (sozinhos); Sexta (12/10): Dia para compras; - Sábado (13/10): Viagem a Mormanno.

A localização de Ravenna permite um trem rápido até Bologna e de lá para qualquer lugar da Itália ou Europa, através dos trens expressos, os intercities, que ligam sempre as grandes cidades. Chama a atenção de quem passa pela estação de Bologna, uma parede com grande fissura e uma placa com os nomes dos mortos em um atentado a bomba, no ano de 1980 (naquela época estavam na Itália, a passeio, meu pai, minha mãe e tia Aninna).

Em San Marino, durante o almoço, confessamos a Maria que, ainda no Brasil, chegamos a colocar café na nossa bagagem para presentear os parentes, seguindo a recomendação de meu pai, e depois desistimos dado o volume. Maria não fez por menos e sugeriu que comprássemos café em pó, em San Marino, colocássemos em saquinhos plásticos, sem identificação, e distribuíssemos em Mormanno como se fosse o autêntico café brasileiro. Seguimos a sua recomendação e foi muito engraçado ver as reações das pessoas e as gargalhadas com o ar de cumplicidade entre nós três.

Maria, no alto da sua "autoridade", sempre impedia que fizéssemos compras para não gastar dinheiro, mas havia horas em que saíamos de surpresa para comprar alguma coisa. Providenciou um amigo de Pino para cortar o meu cabelo.

Pino, na época, era o chefe da estação de trem de Ravenna e gozava de prestígio na cidade. Me ensinou a utilizar o sistema informatizado de horários, combinações e preços, sendo de grande utilidade nos nossos passeios.

O café da manhã era sempre rápido. Uma maçã - a mela, acompanhada de café com leite, temperado por Maria, que enfiava uma colher no açucareiro, na xícara e provava. Caso estivesse com pouco açúcar, repetia a operação com a mesma colher. Sempre haviam uns biscoitinhos daqueles que se come molhando com o leite. Falei que sempre iria lembrar deles ao comer uma maçã aqui no Brasil. O almoço e jantar eram simples e sempre leves. Bom porque podíamos sempre comer alguma novidade na rua, durante os passeios. A noite era sempre para conversar. Pino e eu conversávamos horas sobre as culturas da Itália e do Brasil.

Na entrada do prédio que eles moram (Via di Roma, 93) existe uma pequena despensa para cada apartamento. Estocam molho de macarrão, azeite, caixas de maçãs, jornais velhos, pôsteres da Ferrovia e a bicicleta de Ana Maria, que tem proteção no para lama para os vestidos e capas não se enroscarem nos raios.

O apartamento é excelente, muito amplo e decorado com bom gosto. Ficávamos na parte superior, onde era o quarto de Ana Maria. Havia chuveiro (coisa difícil de achar nos lugares que passamos). Sempre éramos acordados por Maria que trazia uma xícara de café e muito carinho.

No sábado, 13 de outubro, dia do meu aniversário, eu, Bete e Maria embarcamos para Mormanno. Ela, muito gripada, estava sem iniciativa para tomar as providências da viagem e deixava tudo comigo e com Pino que, emocionado, chorava de saudade (ele não nos acompanharia até Mormanno) e não nos veria mais durante os dias seguintes. Em nossas conversas e passeios pela estação, defendia o sistema ferroviário e achava que os trens andavam rigorosamente nos horários, mussolinicamente, conforme diria Eduardo. Ana Maria sempre contestava e, na prática, Pino nunca tinha razão.

De Ravenna fomos para Bologna. Um novo trem até Roma e outro até a cidade de Sapri, próximo a Mormanno. Entre Roma e Sapri, o trem é bastante velho e cheio de vendedores ambulantes. Não é muito diferente dos nossos: entram e saem do trem com baldes levando refrigerantes e cervejas e a cada estação se revezam.

Às 7 da noite chegamos a Sapri. Lá estava Pietro Sangiovanni (filho de Tio Luis e zia Minuccia, agrônomo, morador em Mormanno, desenvolve projetos agropecuários). Na mesma estação chegava Milena, sua filha, na época com 18 anos, e estudava Medicina em Roma. Viajava no mesmo trem e não sabíamos. De imediato fomos reencontrar a mala previamente despachada lá em Ravenna, dias antes da nossa viagem. Seguimos para Mormanno de carro, desta vez machina grossa.

Saímos por uma pequena via e acessamos a auto-estrada. Talvez numa distância não superior a 40 km começaram a aparecer as placas indicativas de Mormanno, fazendo encher o peito de expectativa e os olhos de lágrimas, não deixando de admirar a qualidade da auto-estrada. Ao avistar as luzes da cidade, no alto da montanha, acho que o coração estava a mil.

Eu me perguntava e ao mesmo tempo admirava os nossos pais e tios: porque Poções? Tanto lugar no mundo e uma comunidade foi parar a milhares de quilômetros e adotar aquele lugar. Que coragem, carregar uma família inteira. Ir e voltar para buscar outros e fazer a América. Quais os sentimentos eles viveram? Quantas dificuldades passaram e, ainda assim, puderam construir as suas próprias felicidades e os seus mundos.

Bete, encolhida no banco traseiro entre Maria e Milena, parecia entender estes sentimentos e perguntava o tamanho da minha emoção. Respondia em português e Maria queria logo saber em italiano. Afinal era o dia do meu aniversário e não havia melhor presente naquele momento.

Passamos pela rua principal de Mormanno e todos os parentes e os seus amigos, orgulhosos com os primos americanos, já estavam a postos esperando. Pietro diminuiu a velocidade do carro e muitas mãos foram estendidas para nos tocar. Na hora em que o carro parou, enxerguei uma verdadeira multidão querendo nos abraçar e todos pronunciavam os seus nomes, se apresentando. Numa rápida adaptação, comecei a retribuir aos homens os "excessivos" beijos que recebia, principalmente, zio Franco Caputo.

Subimos e todos nos acompanharam nos grandes salões da casa de Pietro Sangiovanni e sua mulher Maria Pia. Me levaram para a sala principal com todos os homens reunidos. Bete foi levada para a outra sala de estar com as mulheres e se entendia maravilhosamente bem com elas. Percebi que faltavam zio Raffaele e zia Miminna (cunhado e irmã de meu pai) e não tardaram a chegar. Tio Raffaele veio me cumprimentar e pediu para que o beijasse todos os dias e em todas as horas que nos encontrássemos, uma simpatia. Fiquei parado quando vi zia Miminna. A semelhança física com minha querida tia Anina era impressionante e não me contive com o choro e muitos na sala não me deixaram sozinho, chorando também. Ela, na sua surdez, não entendeu o porquê de tanto choro, franziu a testa e perguntou por que chorava, lembrando ainda mais a ingenuidade de tia Anina.

Refeito da emoção, pude tomar uma cerveja. Sabiam que gostava de cerveja e prontamente colocaram umas cinco latinhas numa bandeja só para mim e ninguém podia tocá-las. De repente veio um prato de “sopressatta”, tipo de salame feito artesanalmente com carne de porco, e não tive vergonha em devorá-lo.

Serviram o jantar e todos esperaram que fizéssemos os nossos pratos para depois fazerem os deles. Muitos ficavam olhando e outros pegavam a gente e beijava perguntando se era verdade.

Fomos para a sala de estar e continuamos as conversas tomando vinho. Tanuccio, marido de Nunzia, filha de Luigi e Minuccia, aposentado de uma indústria siderúrgica, residente em Taranto e pai de Enza e Nicola, não me largava um instante e era o mediador, chefe de cerimônias e o companheiro do vinho. Uma pessoa simples e muito alegre, sempre disposto a mostrar ou explicar alguma coisa. Não nos deixou só um momento.

A conversa seguiu animada e de repente apagaram as luzes dos ambientes próximos. Uma porta se abriu e apareceu um carrinho empurrado por Maria Pia, com um bolo cheio de velas ao som do Parabéns (tanti auguri per te...), é claro. Nova emoção e o coração voltava a bater mais forte. Não havia como deixar de falar alguma coisa para todos eles e agradeci com um pequeno discurso improvisado no italiano mormanolo.

Encerrada a festa de recepção, ficamos arrumando as coisas no quarto cedido pelo casal. Começamos a distribuição do café – aquele do saquinho embalado - (o café é um presente muito apreciado) e outros presentes. Cama forrada de seda e eu com medo de escorregar e acordar no chão. O clima bastante agradável, permitia dormir sem camisa. Era final de outono.

No domingo pela manhã, tratei de acordar cedo para aproveitar a convivência. Quando o sino da Catedral (é catedral mesmo, não é Igreja) de Santa Maria del Colle, que fica bem em frente, tocou, avisava a missa. Ainda do quarto, dei uma olhada pela sacada e vi como o pessoal estava bem arrumado. Nos trocamos, tomamos café e chegamos já no final dela. Nova confusão para decidir o nosso destino. Maria novamente tomou a frente e definiu o programa: "Adesso, noi e loro facciamo una gítta per Mormanno e doppo manggiamo alla casa di zia Minuccia, ho capito?" Claro que ninguém respondeu coisa alguma e concordaram.

Subimos em direção ao Faro, o orgulho dos mormanolos, um monumento aos que tombaram na Guerra e que tem o cemitério da cidade como vizinho, local onde iniciamos as nossas descobertas de Mormanno. Uma comitiva foi formada por Mariuccio Sola, irmão de Giovanni Sola (falava um pouco de português por ter morado em São Paulo), Milena, Luisa, Pietro e Enza, filha de Tanuccio. Na descida, encontramos zio Franco, zio Raffaele e Bruno (casado com Agatina grande, filha de Miminna) e fizemos uma sessão de fotografias. Observamos o movimento das pessoas e fomos visitar zia Miminna.

Em todos os momentos havia sempre alguém querendo nos levar para as suas casas e ter o prazer de servir uma merenda ou um café. Este prazer, infelizmente, não foi possível realizar devido ao pouco tempo em que estivemos lá.

Milena nos mostrou os aspectos históricos da cidade. Pietro nos levou para conhecer a sua fazenda administrada através de um sistema cooperativo com outros proprietários de terra e como conseguem lucrar com a produção de leite e a criação de gado confinado em uma região montanhosa, de difícil produção de capim, rigorosamente castigada no inverno. O que é produzido nas épocas de sol, é muito bem guardado tecnicamente.

As ruas de Mormanno tem aspectos curiosos. Uma rua principal e outras ruas bem menores. Os carros são fabricados para transitarem nestes pequenos espaços. Os moradores, normalmente, possuem dois carros: um pequeno para as locomoções internas, geralmente um Fiat 500 e outro, la machina grossa, para viagens e locomoções pelas auto-estradas. O trânsito é uma questão de educação e os sinais são respeitados rigorosamente sob pena de multas e remoção.

As casas são muito próximas, disformes e sem qualquer alinhamento uma com as outras. É possível entrar em uma delas e se assustar com o tamanho. Já foram todas interligadas e, na verdade, cada casa pode ser o conjunto de duas ou mais casas. Algumas construções mais modernas ficam afastadas do centro, como é o caso do apartamento de Agatina e Francolino (filha de Tio Luigi e Tia Minuccia, irmã de Pietro, mãe de Sangita, uma criança indiana adotada junto a irmandade de Madre Teresa de Calcutá).

Nas noites de domingo há o encontro da sociedade mormanola. Todos bem arrumados se encontram para um gostoso bate-papo na praça.

Os homens, todos os dias se encontram no "pezzo" que é um grande banco de cimento ao lado da catedral. Conversam durante todo o tempo e há um intenso movimento na rua principal. Exatamente ao meio dia, como se houvesse um aviso, todos se levantam e vão para suas casas almoçar. O "pezzo" funciona como uma bolsa de valores e lá se comercializa o vinho produzido na região. A política e o futebol são duas paixões dos mormanolos e o “pezzo” tem fundamental importância.

Os aposentados representam 30% da população. A mão de obra jovem e a grande indústria concentram-se principalmente no norte da Itália. O salário mínimo fica em torno de 1200 dólares e as mulheres, mesmo que nunca tenham trabalhado, se aposentam por idade e recebem em torno de 600 dólares.

Visitamos uma pequena propriedade que pertenceu a meu pai. Chama-se Água Formosa (seis quilômetros do centro de Mormanno) e serve para passeios de final de semana. Talvez aí a paixão por Morrinhos. Visitamos também a Vinha (três quilômetros do centro), um pedaço de terra que pertence a família de minha mãe, e era administrado por zio Franco, morto recentemente. O almoço na vinha foi uma cena típica daquelas que a gente vê nos filmes italianos. Além da uva, cultivam-se figos, castanhas, tomates e pimentão.

Fomos a Taranto, quase 150 quilômetros de distância, uma cidade altamente industrial, com grandes siderúrgicas, onde moram Tanuccio e família. De Taranto, fomos a Alberobelo, cidade curiosa pelo formato dos telhados das casas feitos com pedras naturais, sem cimento, dispostas de uma forma para não entrar água, ser fresca no verão e quente no inverno - muito interessante este passeio. Agatina e Francolino nos levaram a Capri e passamos um agradável dia, apesar de toda a chuva.

Estivemos em Praiamare, uma pequena cidade a beira mar onde Pietro tem um apartamento para férias, a quarenta quilômetros de Mormanno. Assustei com a praia pela grande quantidade de pedregulhos no lugar da areia. Na volta, passamos próximo a Trecchinna, mas Pietro não se prontificou a passar por lá dizendo que não tinha nada de interessante para se ver .

Zio Raffaele tem o hábito de anotar todas as visitas e coisas que acontecem. Numa cadernetinha estão anotadas as visitas de Antônio Libonati e as duas viagens de meu pai. Lógico que entramos para a cadernetinha, também.

Ainda no cemitério de Mormanno uma outra forte emoção em visitar o túmulo de Luigi Sangiovanni, o irmão mais velho do meu pai, falecido em 1983. Na lápide registra-se a seguinte inscrição: “La tua bontà a ricordo di quanti ti amarono!” (A sua bondade, uma lembrança de todos que te amaram).

Conhecemos pessoas boas e simpáticas como Mariuccio, Carmine Sola, Adelina e as filhas, le parruchieri (cabeleireiras), donas de um salão muito bem montado. Pinuccio Caputo, filho de zio Franco. Jacinto, amigo de infância de meu pai. Zia Julia, irmã da minha mãe por parte de pai, Silvio (marido dela), Mimma e Pinuccio, primos e filhos de Julia. Lilino, dentista, cunhado de Maria Pia. Ornella e Michele em Roma, filhos de Lilino. Francolino e Bruno, maridos das Agatinas. Zia Rita, mulher de Franco, que morria de ciúmes por não dormirmos na casa deles. Sangita, indiana, filha adotiva de Agatina. Os garotos Rafaelle e Andrea, este último apaixonado pelo futebol brasileiro. Tia Minuccia que sempre acompanhava o nosso café da manhã. A família Armentano Franco de Rotonda. Nicola, filho de Tanuccio, com uma grande afinidade à primeira vista. Serão sempre lembrados pelo carinho e dedicação com que nos receberam.

Fomos a Rotonda e visitamos alguns poucos parentes remanescentes da minha mãe, os Armentanos. Fica o registro que Rotonda é uma cidade muito bonita e diferente de Mormanno.

Na noite de sábado, véspera da nossa viagem a Roma, muitas pessoas foram se despedir. Cada um levava uma sopressatta para trazermos ao Brasil. No domingo pela manhã, tomamos o ônibus na margem da auto-estrada, afastado 6 km de Mormanno. Houve uma verdadeira carreata e todos os parentes estavam presentes debaixo de uma forte chuva. Naquele momento, à espera do ônibus, o coração apertava e novamente me veio a lembrança da partida dos nossos bravos italianos. Saíram com a certeza que voltariam um dia, sem data prevista. Nós sabíamos que os que aqui ficaram nos esperavam. Eles iriam enfrentar o desconhecido e arriscar toda uma vida.

Chegamos a Roma por volta das três da tarde. Milena nos esperava junto aos primos que moram com ela em Roma. Nos levaram para conhecer a cidade à noite. No dia seguinte saímos sozinhos, andamos bastante e fomos parar no Coliseu e Vaticano. Não vimos o Papa.

Jantamos no apartamento deles, voltamos ao Hotel e dia seguinte embarcamos para Frankfurt e depois para o Rio.

Os registros destes fatos estão vivos. O tempo certamente não poderá apagar da memória a lembrança destes dias, nem mesmo a emoção vivida e sentida a cada minuto. Fica o registro para que cada um possa buscar um pouco da sua história e da sua origem.

“Mormanno e Poções serão eternas no meu coração.“

Luiz Sangiovanni - luiz.sangiovanni@gmail.com

(Escrito no período de 23/03/96 a 28/09/96)

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 23/05/2008
Reeditado em 23/05/2008
Código do texto: T1002630