Novamente, no início

O menino que enchia as mãos de cola, esperava secar, e depois arrancava — com um prazer quase criminoso — aquela nova camada de pele que se formava, hoje não existe mais. Ficou o que roía as unhas escondido, mas o garoto que a cada dia se desfazia da casca que é a pele, esse não. Esqueceu-se em alguma sala de aula da infância, em alguma praça onde brincava com a própria timidez.

Preciso entender isso. Ainda tenho dificuldade para compreender certas fases da vida, certos rompimentos. Ainda sinto que recebo um décimo do que dou: e, mesmo assim, não consigo deixar de pensar-me egoísta, por justamente acreditar que entrego muito mais do que acabo tendo em retorno. Mas o sentimento não se mede, pelo menos o meu é sem tamanho.

Tenho um orgulho besta e uma insegurança que às vezes beira a melancolia. Meu coração é um outro eu. Entretanto, esse mesmo coração confuso, cheio de dívidas e dúvidas, e que se pega por momentos alimentando pequenas mágoas, é também o coração que se abre em mil janelas de bondade, amparo e gratidão, na incerta tentativa de mostrar que "gentileza gera gentileza". Sou assim — teimo em ser assim. Sou, no saldo final, uma pessoa do bem.

O que faz sentir-me, por horas, clandestino em mim, ou como se meu coração fosse um estrangeiro no meu próprio peito não é o medo de amar. O que me entristece, me faz desviar ainda mais o olhar, é não aprender, nem às custas de sofrimentos, que a vida não é linear, que cada dia é um recomeço.

(originalmente publicado em www.ainsanidadenaotemnome.blogspot.com)