Mas não do olhar

Lembro que ela tinha olhos de fim de tarde. Olhos de café depois do trabalho, de sorrisos quase cúmplices. Às vezes, esquecia do tom de sua voz, das linhas do seu rosto, do seu espaço frente a mim, mas não do olhar. Ela tinha olhar de pôr-do-sol.

Eu respirava naquele olhar. Ela ria quando eu ria do sorriso dela — e quando ria, seus olhos ficavam puxados. Quando ria e seus olhos ficavam puxados, era como se valesse a pena o instante congelado, como se o tempo parasse numa falha.

Ela questionava meu silêncio. Meu silêncio não se explica: nasce da simples necessidade de eu não dizer nada – seja porque nem sempre as palavras revelam o sentimento, seja porque calar é o que sei fazer melhor, seja porque a quietude pode falar por si. Mas o silêncio sempre incomoda.

O fim de tarde escapou dos olhos dela, um dia. Fugiu para algum espaço entre nosso abraço, que era agora cortado pelo vento. Calei-me, mais por medo que por vontade. Que janela de indiferença abriu-se entre nós? Não sei.

Desacelerei. Vou seguir os passos do silêncio, ainda que me questionem. Mais falo quando calo. Se não ouvem, o que fazer? Não vou cobrar de volta o sentimento, não tentarei comprar sorrisos, não vou devolver palavras que me foram entregues quando os dias pareciam mais coloridos. Isso não vou fazer. Talvez eu tente usar um band-aid no coração, pra disfarçar.

(originalmente publicado em www.ainsanidadenaotemnome.blogspot.com)