SADISMO LATENTE

Certa vez presenciei um acidente de trânsito num cruzamento de duas ruas. Abalroamento violento envolvendo dois carros com várias pessoas a bordo. Inicialmente era possível perceber ferimentos, aparentemente leves, e muito nervosismo nas pessoas acidentadas.

Mas o que mais me impressionou foi a reação de várias pessoas que estavam num barzinho próximo ao local do acidente. Apupos, gritos, assobios de uma platéia delirante que se comportava como se estivesse diante de um espetáculo que pagara para assistir. O risco de vida e a situação desconfortável das pessoas acidentadas não tinham qualquer importância para a platéia.

Tempos depois, vi uma situação semelhante: uma emissora de televisão mostrou um flagrante de um abalroamento envolvendo um carro e uma motocicleta que transportava um casal. Batida violenta. Os ocupantes da motocicleta caíram ao solo violentamente e seus capacetes, que não estavam devidamente presos, se soltaram com o impacto.

O casal, pelo que a reportagem mostrou teve ferimentos relativamente leves, mas a julgar pela violência do impacto é possível que tenha havido fraturas e outros ferimentos mais sérios – uma vez que estes costumam aparecer após cessar o efeito da adrenalina injetada na corrente sangüínea no momento do susto.

Novamente voltei a me impressionar ao ver que houve pessoas que assistiram a reportagem e acharam extremamente engraçada a tragédia do casal de motociclistas. Com certeza, quem age assim não sabe se colocar no lugar do outro e tentar imaginar o que sentiria se estivesse vivenciando o acontecimento; nem consegue discernir acerca do fato de que tragédias são sempre acompanhadas de surpresas e que nenhum de nós está livre delas.