Quis matar um argentino

Argentino filho da puta, pensava eu. Amanhã vou dizer muita merda a ele, humilhá-lo diante do patrão e pôr fim nesta história. Não aguento mais ser vítima de chacotas ou piadinhas sem graça, só pelo motivo de ser patrão. Estou há anos engolindo sapos, mas desta vez não passa: o argentino vai se ferrar.

Adormeci com o plano em mente. Dormi mal, pensando na fisionomia do gringo, avermelhado, gaguejante e surpreso com o esporro que tomava; seu patrão o fitava desconfiado. Melhor: contemplava-o decepcionado, havia sido desmascarado por um rapaz bem mais novo, enquanto gerentes flatulentos pelo nervosismo da discussão percebiam que também a sua hora estava para chegar. Sobraria para todos naquela manhã quente de outono.

Acordei bem, e fui bem cheiroso para o trabalho. Um dia atípico. Assobiava uma música do Moraes Moreira enquanto separava alguns documentos. Guardei a calculadora e a caneta na pasta, quando me confirmam que o patrão já havia chegado. A boa notícia: o desgraçado do argentino não viria mais. Que pena. Restaria discutirmos assuntos por e-mail ou telefone, e talvez seria ainda pior. Eles são muito burros.

Por fim o dia foi muito bom. Pude conversar com eles e fomos muito amistosos. Falamos sobre futebol, restaurantes e meu cabelo. Vi que era um grande homem, muito engraçado, brincalhão e com uma vida bem legal. No final nos abraçamos, dei alguns tapinhas nas suas costas e recebi um caloroso abraço, de tio para sobrinho.

Eu sou mesmo um grande filho da puta, por não acreditar que o tempo é o grande cara. O tempo é o cara. Nunca mais deixo a imaginação às soltas por aí, longe da alma.

Benito Cecá
Enviado por Benito Cecá em 28/05/2008
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