O pulo do gato

Dona Zezé, Dona Aurora, Dona Maria – minhas primeiras professoras - uma delas contou a fábula a seguir, em que a lembrança de quase 50 anos sofre alguma influência da imaginação.

A onça era um bicho magro, esfomeado e feroz. De tão feroz, quase não comia, pois era famosa em toda floresta, e os bichos fugiam dela assim que se aproximava, barulhenta e desajeitada que era. Alguns, sabendo-a feroz, mas incompetente, caçoavam dela, na certeza da impunidade. O gato, seu parente, vendo-a tão acabada, e preocupado com a sobrevivência da prima, a chamou para umas aulas de felinez (Não conhecia a palavra? Nem eu, pois acho que acabei de inventar: é a arte de ser felino).

Primeiro ensinou-a a andar como se de veludo ou algodão fossem suas patas, e a recolher as garras para andar: “Garras, ensinou o gato, são para subir em árvores e para matar, não para marcar o chão”. O próximo passo foi treiná-la a se esgueirar entre as árvores e os arbustos causando o mínimo de rebuliço para se aproximar das presas sem ser notada.

As aulas sobre saltos certeiros, mordida exata e movimento preciso vieram a seguir. A onça, agora convenientemente alimentada, ficou forte, seu pêlo adquiriu brilho, os músculos se mostravam quando andava silenciosa e soberba pela floresta. Tudo aprendera com o gato. Melhor: tudo não, pois, por sentir-se forte e temida, aprendera a rugir tão alto que sua fama se espalhou entre todos os animais, que passaram a respeitá-la não apenas por sua ferocidade, mas por sua astúcia e agilidade. A rapidez e precisão de seus botes eram assunto em cada toca, arbusto, ninho, galho.

Gato e onça, certo dia, conversavam, estirados na relva: despreocupado o gato, sempre atenta e de orelha em pé, a onça. Ela nunca conseguiu engolir essa despreocupação do gato. Sentia-se inferiorizada, pois era-lhe impossível ser assim. Conversavam, e a irritação se instalou nela. Irritação é semente da raiva, que é fermento do ódio. E o ódio foi que a levou a agir assim: mirou o gato, que bocejava preguiçosamente, e, com uma agilidade nunca vista, deu o bote. Veloz e certeira, garras preparadas dentes afiados. Nunca mais, depois que aprendeu os truques ensinados pelo gato, havia sentido o gosto de terra. Nunca, até aquele dia: estatelada no chão, garras cheias de capim e os dentes enfiados na terra. Recompôs-se como pôde e, fuzilando o gato com o olhar, resmungou: “Este salto você não me ensinou”. Desdenhosamente, entre um bocejo e um meneio da cauda, o gato respondeu: “Este, minha cara onça, é o pulo do gato”.

Parou aí a história, mas continuemos mais um pouco: Quem é mais feroz, mais temido, maior e mais forte, a onça ou o gato? A onça, claro! Mas você já ouviu alguma vez que os gatos estão em extinção? Já, sobre as onças....

Os mestres sabem o pulo do gato.