Mulher é coisa profunda

Hoje resolvi dar uma de escritor de verdade. Não deste tipo de escritor que sou, que vem aqui só para preencher algumas linhas e tomar o tempo de quem acessa em busca de coisa agradável. Sou meio chato. Sou intenso. sou inquieto. Sou inconveniente. Graças às letras posso me dar ao privilégio de não ter amigos para ficar reclamando da vida. Já não me basta aqueles que tenho que suportar, e me ponho no lugar deles, a encher o saco de alguém. Prefiro a tela fria da internet, ou quem sabe, daqui a alguns anos, as páginas de um livro para jogar o peso de meu fardo nas costas alheias.

Pois bem, como ia dizendo, resolvi dar uma de escritor, fazendo um conto. A introdução ficou muito legal, quando reli não acreditei que era coisa minha - se é que me pertencia mesmo - pois estava muito atraente. Os jovens de um colégio que fica perto de meu trabalho me inspiram. Fui montando o conto.

Mal cheguei em meados da segunda página e caio num buraco. É hora de a moça contar que sofre ainda de amores por um rapaz. É uma história, digamos, quase autobiográfica, onde de longe passo por bandido. É um complexo de Dom Casmurro mal resolvido que foi parar no conto, mas o meu personagem nem é citado, mas a Capitu está ali.

Ocorre que precisei mergulhar no universo da minha Capitu - que é a moça da trama - e não posso vê-la com meus olhos. Precisaria entender o porquê de ela buscar - se foi antes ou depois - os braços de alguém e abandonando os meus - ou partilhando os meus - ou me cozinhando até o golpe fatal, há onze anos. A dor de corno é inspiradora.

Não consegui sair da frase em que ela diz que o problema é o dito cujo, que a tomou dos braços do noivo, e por quem ficou apaixonada. O universo feminino é muito complexo, é um terreno arenoso. Nunca fui muito bom com elas, e na primeira tentativa sou traumatizado com um abandono ainda incompreendido, e um personagem digno de romance de nosso escritor mulato. Por isso é melhor escrever sobre Deus do que sobre as mulheres. O primeiro permite mais alternativas, enquanto que com o sexo frágil corremos o risco de um chute muito mal dado.

E agora, como minha personagem sobreviverá? como ela vai contar que ainda ama o garanhão, que agora é casado e tem uma filha? como fazer entender que o noivo atrapalhou a moça, impedindo-a de ser feliz com um rapaz bonito, elegante, simpático e inteligente? Como pôde um cara feio atrapalhar um casal que teria tudo para dar certo, até pelas manias inconvenientes?

E agora, como invadir o universo feminino com delicadeza e precisão?

Quem sabe substituirei a menina por um cara mal amado.

Benito Cecá
Enviado por Benito Cecá em 04/06/2008
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