Domingo à noite

As ruas estreitas, soldados que avançam. Tu não espreitas, os carros se negam a abrirem a estrada. São arrombados pela fura das maquinas.

Duas horas pela manha e ninguém na rua.

Tu deves estar ainda dormida. No lado direito da cama, penso. Pode não ser certo, seguro a tua boca pronunciando sonhos ainda muito mais intensos...

A lua no alto, sempre que saem os soldados não sei, a lua é imensa.

Tu deves a estar adormecida, eu... Sempre a pensar em ti.

Temos tanto pouco tempo de conversas.

De que cor são as andorinhas? Como chovem lindezas na tua pupila quando o dia refresca? Tem preço o diamante que emana tua tristeza?

São perguntas sem resposta. Nunca tiveram inicio, nunca viveram alem da mente que se distrai em elas, a compor outros absurdos.

Desde quando teus olhos inflamam em meu coração cantigas de incêndio verde? Quando tornaste em teu peito o espírito que aninha no olho da águia?

Atinges meu coração e não tenho defesa. Pudera ser ate violenta a força com que o abate.

Aguardo.

Chegará ou não um dia: nas ruas nunca mais um soldado. Bandeiras perdidas no chão, alfombras penduradas com pétalas de rosa, evadindo os símbolos que procuram dividir os seres que tem sentimento, por causa dos medos.

Chegara também para nós um dia que nos ilumine.

Não precisamos cousas que nos compliquem. Uma casa na serra, um dia para viver todo o que nos pertence, só a nós, livres de alheias influencias. E ninguém tem de saber, porque te direi: este é nosso segredo secreto.

Coisas simples a fazer juntos: Um caminho encostado que sobe a cimo desde onde contemplas o vôo das águias, tuas irmãs gêmeas. Horizontes que se deitam, sentados sobre a varanda, os dous em um mesmo banco, desafiar o por de sol sustentando tonalidades que se perdem de amor no espaço, etéreo e áureo.

Três da manha.

Os soldados têm fugido das ruas ameaçadas. Regressam depois deles os homens que bebem na diáspora, vinhos amargos.

Desligo o televisor, não preciso seguir a combater essa imagem.

Na janela a lua cheia tem agora outros contrastes, fumos negros, nevoeiros grisalhos. Uma sombra de arvore inglês. Nela sonho tua lembrança.

Vida singela: uma praia deserta, tu correndo a trás de mim, eu correndo a teu encalço. Uma garrafa vazia, dentro nenguma mensagem. O céu imenso e as estrelas a noite só para ti, escolhem certas tonalidades, que por certo pouca justiça te embalam, porque sabem nesta luta, ciumentas elas levar a pior parte.

Podes com a mão apanhar uma ao acaso, se for viajeira ou fugaz, ou tênue seu resplendor com acenos lentos e suaves, procura indicar-lhe meu nome. Se pelo contrario fosse intenso, estrela do norte que nunca se apaga, em meu peito terá por reclamo tua bondade.

Coisas simples: poemas que escrevem as ondas na praia, tu comigo a admirá-los. Apagaram-se depois da espuma deitar seu champanha insinuante.

E mesmo um dia para nós, ou media tarde seria óptimo, com isso baste.

Não tem maior importância, estando contigo o tempo se torna dum instante, eternidades.

Tu também comigo o desfrutas, teus coração a bater que delata: estou em ele gravado.

Como gravada esta na memória esta maneira estúpida da vida complicar-nos, porque aventuras tanto nos fazem falta, inventamos a forma de complicar-nos. Viver uma vida como sempre exagerada, sumida no artificial, é um destinho de seres, falso!.

Devo ter desligado o televisor. Três horas e vinte passadas... e no entanto, os soldados são rusga, na minha tolice remexem detritos nos miolos dos que em insônia viajam, através do filme que agora figura colado na meu lóbulo esquerdo. Algo tera ele interpretado na consciência dos acomodados, seres em um sofá.

Os soldados se vão embora, comigo se sobrepõem na almofada... Amanha te prometo nada restara: deles meu cérebro, de ti, de mi neste relato.