"O Livro Que Estou Lendo" = Crônica de Alívio=

Estou lendo o livro “O Século dos Cirurgiões”, de Jürgen Thorwald, neto de médico, filho de médico, e médico, e a cada página dou graças a Deus por ter nascido no século passado, depois, muito depois do advento da anestesia.

São de arrepiar as descrições das operações realizadas pelos cirurgiões dos séculos anteriores: mãos, braços, ou pernas, amputados a machadadas ou a serrote; cálculos vesicais extirpados com instrumentos sujos, grosseiros, mal idealizados e pior ainda confeccionados, causadores de sofrimentos indescritíveis. Sofrimentos que matavam muita gente devido ao choque da dor absurdamente lancinante, tal como línguas cancerosas cortadas a frio e cauterizadas com ferro quente.

Nos hospitais, camas sujas de sangue; os médicos com jalecos impregnados com toda espécie de sujeira; instrumentos jogados como ferramentas de mecânicos e sem qualquer noção de higiene, sem o mínimo de esterilização, geralmente limpados apenas com uma esfregadela na própria roupa do operador.

As “anestesias” eram, quando muito, o ópio, o éter, o cânhamo, que, quando mal dosados matavam. E geralmente eram mal dosados.

Os cirurgiões famosos, semi-deuses, operavam. Operavam, mas a sobrevivência ficava por conta da vontade de Deus. Se os pacientes morriam era porque tinham que morrer. Ele, o operador, agira com toda sua imensa sabedoria e não admitia dúvidas quanto a seus métodos. Cada um era mais competente e sábio que o outro e a vaidade causava verdadeiras guerras verbais entre eles.

O dentista que descobriu que o gás hilariante, o azoto, servia como excelente anestesia, foi ridicularizado, gozado, humilhado em público, porque seu paciente para demonstração gritou de dor após a extração de um dente. O azoto não surtia efeito igual em pessoas que, além de obesas, tivessem o vício da embriaguez, e foi justamente um tipo assim que se ofereceu como voluntário para a demonstração. O dentista estava absolutamente certo.

Ao ouvir de alguém expressões do tipo :“antigamente era tão bom..” tenho sempre vontade de rir. E qualquer pessoa que leia a história da humanidade, a história de um país, a história de nosso país, sentiria a mesma vontade. Antigamente era uma caca. Hoje em dia é que é bom. Sob todos os aspectos. A cada aspecto negativo dos dias de hoje podemos apresentar muitos, bem piores, dos “tempos de antanho”, como diriam Machado ou Eça.

Ps: Após a leitura, porei o livro à venda. Caso alguém se interesse, avise. O primeiro terá a preferência.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 07/06/2008
Código do texto: T1023548
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