IXI! CAIU...

Foi exatamente essa a expressão que saiu num impulso de minha boca ao olhar para trás...

Era noite. Estávamos em casa de uma pessoa, amiga comum, que promovia um sarau de poesia, regado a uma boa sopa caseira vinda de um antigo livro de receitas de família.

Gente elegante, de bem com a vida, dando-se ao luxo de se dizer poeta... Ou quase isso...

Como sempre, amante de conhecer pessoas para a minha coleção de tipos bizarros ou não tanto, mas sempre dignos de nota, sentei-me em um ponto estratégico da sala dupla e enquanto aguardava a minha vez de chegar pelo menos perto da sopa, ia observando ações, reações, palavras soltas, risadas esquisitas, veladas, escancaradas.

Via olhares enviesados, diretos ou disfarçados de pessoas que por razões várias, também observavam os seus próximos.

Havia algum diz-que-me-disse no ar... Não soubesse eu dos casos existentes entre aquela gente que vez ou outra se reunia para ter momentos de agradável companheirismo...

Mas esses casos sempre estarão presentes. Não é o que importa.

Pois é. De repente, escuto um barulho à minha direita, um pouco atrás de onde eu estava. Virei-me rapidamente e exclamei:

- Ixi! Caiu!

Aliada à expressão, levantei-me incontinente para acudir uma jovem senhora (ou senhorita, ainda não sabia) que jazia estatelada no chão com um prato de sopa emborcado em seu colo! Ela tinha sentado muito na beiradinha da cadeira, escorregou e com as mãos ocupadas não pode se segurar, caindo sentada no chão.

Houve um momento de estupefação geral !!!!!!!!!!!!!

Fui a primeira a chegar perto. Tirei o prato do colo dela e com a outra mão, ajudei-a a levantar-se. Já havia visto onde era a cozinha, uma vez que era daquela porta que sempre saia mais uma sopeira fumegante. Não fosse eu tão observadora...

Fui levando a moça pra lá, e sem cerimônia, peguei um pano de prato, molhei e fui limpando sua roupa literalmente ensopada, dos dois jeitos!

Várias pessoas se aproximaram, mas eu já tinha tomado a frente para aliviar o momento e ajudá-la em tão incômoda situação.

A dona da casa ainda se aproximou e vendo que estava tudo mais ou menos sob controle, foi continuar atendendo seus convidados.

Em uma das poucas vezes em que levantei o rosto daquela tarefa de improvisada limpeza, havia percebido que um senhor tinha se aproximado e nos observava. Olhando-o de relance, cheguei a pensar com meus botões: gozado, parece que eu conheço esse homem!

Só que tenho uma péssima memória para identificar pessoas. Sei que conheço, mas não sei de onde. Pensei: deixa pra lá.

Pronto. Roupa mais ou menos aliviada dos pedaços de legumes, carne esfiapada e caldo gordo, consegui enfim olhar o rosto da moça. Morena clara, cabelos fartos e escuros. Olhos vivos, mas naquela hora também ligeiramente confusos, lógico, mas acima de tudo, ela mantinha um senso de humor que aliviava a todos e a ela mesma.

Apresentou-se agradecida:

- Sou Alexandrina. Muito obrigada, a senhora me ajudou muito!

- Imagina, deixa pra lá. Você faria o mesmo por mim...

Nesse momento aquele senhor que eu vira, se aproximou e me disse:

- Seu nome não é Rachel?

- Sim, respondi, porque?

- Pois eu a reconheci pela voz. Nós fizemos terapia em grupo há uns anos atrás, com o Dr. Marcos! Lembra-se?

- Ele é meu namorado Carlos, disse-me por sua vez a Alexandrina.

Sim, agora me lembrava. Na crônica TERAPIA EM GRUPO que escrevi sobre esse fato mencionado, ele é aquele senhor que citei, desempregado e em depressão por causa da pressão doméstica! Foi ele que eu convidei para ir a um barzinho ouvir minha amiga cantar e foi também ele que disse que parecia que eu não tinha problema e que a qualquer momento eu iria embora da terapia!

Pois é, foi um abraço longo e gostoso! Nem preciso dizer que terminamos a noite, os três sentados a um canto, falando de nossas vidas. Ele separou-se da esposa, namora a Alexandrina, está muito bem mesmo.

Fiquei muito feliz em vê-lo. Disseram-me que se encontram uma vez por ano com as outras pessoas daquela terapia e que não conseguiram meu telefone, pois eu saíra do grupo muito antes deles.

Foi providencial aquela abençoada sopa, pois agora faço parte desse encontro anual do grupo que apelidamos carinhosamente de Neuróticos Anônimos!

Ixi!

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 07/06/2008
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