ESQUECER PARA LEMBRAR

Largo 13 de Maio, Santo Amaro. Tomo um café com leite num copo de pinga (não compreendo porque eles insistem em não usar xícaras) em uma das lanchonetes mais imundas que já entrei em São Paulo, e ainda assim, ela me parece linda. Não estou bem, ainda vejo beleza em tudo.

Tomo o café e seguro a pena, mas meus olhos se perdem nas pessoas caminhando pela avenida. Centenas de rostos, livros abertos contando estórias, letras saindo do olhar; quase consigo entrar em seus universos, escrever sobre suas vidas, mas o General Prudência grita ao meu lado: RECUAR!!!

- Esse conto é sobre você! – ele ordena – É sobre ir, voltar e contar que essa jornada é possível sem mistificar, sem se perder, sem criar ídolos de barro, por isso é hora de ATERRAR!!!

Aterrar. Sim, tenho feito isso: estou varrendo o chão, mesmo com os olhos ainda refletindo as estrelas; estou olhando peitos e bundas, mesmo depois de ter visto a Deusa sorrindo no rosto de cada mulher. Estou de volta, mesmo sabendo que será difícil continuar cometendo as mesmas bobagens.

Já havia sentido o tudo por segundos, mas dessa vez olhei por um tempo a mais. Suficiente para perceber que estamos todos mesmo interconectados e que o sábio Ranakrishna tinha mesmo razão: “qualquer caminho leva ao mesmo lugar”.

A dificuldade é enxergar tanta beleza e saber que mesmo sem querer, vou sujar a tela alheia com a lama que ainda carrego. Se ao menos eu continuasse enxergando essa beleza em tudo, mas é muito areia para a minha caçamba, não vou conseguir carregar.

- Como posso voltar ao mundo, depois de ter visto o que vi?

- Da mesma forma que você entrou – responde a Dona Sabedoria – Esquecendo! Você tem idéia como seria a vida se todos lembrassem de TODAS as suas viagens noturnas ou daquelas experiências que ocorrem num espaço entre dois segundos? Tudo no seu tempo, com equílibrio e discernimento.

Como diria Drummond: É preciso esquecer para lembrar! Sim, esquecer é aterrar e aterrar é equilibrar.