O MUNDO DA CRIANÇA

Há momentos em que tento fazer paralelos entre a infância no início dos anos 60 e a criançada dos nossos dias. Há quem diga que naquele tempo era bom e hoje não é mais. Eu não sei se concordo com isto, creio que tudo depende de quem, de onde, de como vive a criança.

A informação aproximou a miséria da opulência, o que podem alguns e o que não podem outros. Ficou pior para quem vive nos dois extremos. Se de um lado a superproteção dos pais ficou maior, de outro, a sensação de ser discriminado pela sorte é muito mais evidente.

As crianças dos anos 60 acreditavam em Deus, iam à missa, tinham no padre uma referência e tinham medo de assombração, sem questionamentos. O inferno era o destino dos maus e se ele não fosse tão ruim, poderia ganhar um estágio no purgatório. Quase todos eram católicos, os evangélicos eram poucos, os umbandistas menos ainda.

A modernidade deixou Deus mais distante, morreram trezentos mil quando da Tsunami, setenta mil na China, podem chegar a cem mil no Mianmar e os menos de três mil mortos pelos terroristas no World Trad Center já custaram a vida de cem mil, no Iraque, para acabar com o terror. As crianças nascem analfabetas, como a mãe de um presidente. Uma senhora me perguntou se o filho, morando em Porto Alegre, não estava correndo riscos com estas catástrofes todas. Como esta senhora, muitas crianças, sem noção de distância, como convivem com o noticiário? Quando eu era criança, longe era, simplesmente, longe, lugar que não se via, de onde quase não se ouvia falar. Menos mal que a maioria das crianças, como muitos adultos, não entendem bem o que é cem mil.

Hoje se nota a banalização da catástrofe. Como a catástrofe virou produto de venda, em larga escala, o ser humano nem chega a se comover com ela.

O automóvel está ao alcance de muitos, andar de carro ficou do cotidiano. Porém, como convive no trânsito a criança que, no passado, entrava no carro e acreditava no pai? (raramente a mãe dirigia). Morreram vinte e cinco, no Rio Grande do Sul, no último feriadão, só nas estradas federais, família perde a vida aqui, várias crianças morreram no acidente lá. Nos conselhos dos pais, cuidado com as pessoas, elas podem isto, elas podem aquilo, elas podem acolá. Tudo no sentido de demonstrar prevenção e medo com ações que podem ocasionar danos à integridade do filho.

Eu, que ganhei uma coleção de quinze livros, quando tinha seis anos, O Mundo da Criança, fico tentando compreender o olhar da criança em relação a este mundão de meu Deus, de tantas oportunidades e limitações. Acho que o debate entre pais e filhos avançou, o monólogo de antes, “meu filho, eu só olho para ele, como quem diz, o recado está dado”, virou o diálogo de hoje, ainda distante de muitos.

Como pode o adulto interagir com a criança se não a compreende?

A mãe do Ricardinho: - o que tu farias, meu filho, se tua mãe tirasse fotos nuas e saísse na Playboy?

O menino, sem se alongar em maiores análises:

- Eu ia mostrar para os meus amigos!