A MORTE DO NARRADOR

A MORTE DO NARRADOR

Em “Experiência e pobreza” (1933), Walter Benjamin apresenta a impossibilidade da experiência comunicável no mundo contemporâneo, devido ao monstruoso desenvolvimento da técnica. Segundo o filósofo alemão, os fatos perderam qualquer significado ‘a priori’, pois, o homem deve enfrentar o mundo a cada instante como se fosse o primeiro. Não há nenhuma ordem prévia que estruture o real, nem a possibilidade de sedimentação das experiências vividas. Não há mais a possibilidade de transmissão da experiência já que não é mais possível a constituição de uma tradição. A miséria do homem contemporâneo é a sua impossibilidade de adquirir, sedimentar e transmitir qualquer experiência. Neste belo texto, assim como em “O Narrador...” (1936), Benjamin relaciona essa nova condição da experiência do real com a experiência estética nos seguintes termos:“... o narrador é um homem que sabe dar conselhos. Mas, se ‘dar conselhos’ parece hoje algo de antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis. Em conseqüência, não podemos dar conselhos nem a nós mesmos nem aos outros. Aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada (...) O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a sabedoria - o lado épico da verdade - está em extinção.”

Assim, com a extinção progressiva da “Erfahrung” do interior da narrativa, Benjamin enfatiza que “... o primeiro indício da evolução que vai culminar na morte da narrativa é o surgimento do romance no início do período moderno.” (Cf. “O Narrador”, Tese 5) Continuador do narrador épico (aquele que extrai da sua própria experiência, ou de outros, o narrado), o romancista, entretanto, segrega-se, pois “a origem do romance é o indivíduo isolado”, que não recebe e nem sabe dar conselhos. O que de novidade traz, afinal, sobre o referido assunto este texto benjaminiano de 1936?

Resumindo numa frase: “com a consolidação da burguesia (...) destacou-se uma forma de comunicação” (Cf. idem, Tese 6) estranha à narrativa como ao romance, isto é, a informação, pois a “cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes...” (Cf. idem, ibidem).

E quais são, afinal, as conseqüências desse fenômeno? No belo texto “Walter Benjamin: os cacos da história” (1993), a estudiosa do pensamento benjaminiano Jeanne Marie Gagnebin, analisando o texto “O Narrador...”, recorda que “... a informação jornalística afasta-se diametralmente da informação fornecida por uma história contada de acordo com a narrativa tradicional...” [porque a primeira é] “... submissa à estrutura da ‘Erlebnis’; deve dar ao leitor a impressão de que algo totalmente novo e excepcional acaba de acontecer.”

Desse modo, uma vez extinta a experiência (“Erfahrung”) ou, noutras palavras, a tradição, resta-nos a mera vivência (“Erlebnis”) ... e a humanidade perde, desafortunadamente, o seu contador de histórias.

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

verão de 2006