Um nego de respeito

“Um preto de respeito”. Assim que falavam os antigões, lá do Bananal, quando queriam elogiar o nego Diomar. Naquela época eu era um menino e raquítico também! Achava legal que dissessem assim do meu padrinho. Hoje, armado de moralidade, sinto um quê de (arg!) preconceito na frase. Que falassem que o nego Diomar era legal porque “nunca foi preso à toa!”. Assim haveria um pouco de bom humor que contraporia àquela idéia preconcebida de exceção.

Era assim, e ainda é! Só não dá para perdoar quem tem uma bandeira em punhos.

Num dia como esta segunda-feira, ensolarado de dar gosto às vistas, depois de um “chuvaréu” de ensopar pasto, subíamos a estrada que levaria à localidade de Primavera. O fenemê fazendo a combustão do diesel assombrava a nesga de mata que sobrava entre os cafezais, com aquele ronco ensurdecedor do motor. Uma estrada tosca e íngrime. No topo o padrinho parou o caminhão com a desculpa de tomar um gole d’água. Descemos da cabine. Verteu a água goela abaixo, com cuidado para não tocar o beiço na boca da moringa. Satisfeito, tornou-se circunspecto, pondo-se a olhar lá de cima o vale onde corria o córrego Blay. Uma pequena casa de meeiros, circundada de um lado do córrego por grandes moitas de bambus, taboas e um pouco mais adiante por um pasto crivado de pontos brancos. Era o gado nelore da propriedade. – um dia vou ter um terreninho para plantar e colher, sem ter que puchar tora para serrarias.

O que é a memória afetiva? Lembro-me disso muito bem, apesar da idade tenra!

Há poucos dias, estive no Bananal e quis saber do Diomar. As informações que tinha até então, era que se tornara um pequeno proprietário rural. Mas não foi isso que confirmaram aqueles que o conheceram. Disseram que estava com a família num acampamento de “sem terras”.

Lamento que este relato não tenha um final feliz. Se bem que como dizia o poeta: “ainda estão rolando os dados. O tempo não pára, não pára”. E para completar: “gente nasceu para brilhar”, preto, branco, mulato, amarelo, verde, verde limão, pêssego suave... A vida pode ser como nas novelas da tevê!

Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 24/01/2006
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