O corte da turquesa

Não há qualquer acontecimento na vida de uma pessoa, por pior que seja, que não possa ser entendido como um sinalizador para seus erros e acertos. Se todo suicida, por exemplo, tivesse analisado melhor os motivos que o levaram a cometer o ato extremo, e mesmo tivesse dado tempo ao tempo, possivelmente teria condições de superar a crise. Quem sabe até conseguiria rir dela.

Certos ditados populares não se tornaram atemporais à toa. Um deles – “após a tempestade vem a bonança” – tem a capacidade de nos fazer acreditar que nenhuma mazela é tão grave que não possa ser superada. A dor e a felicidade podem perfeitamente ser entendidas como dois lados de uma mesma moeda. Pode-se aprender a crescer igualmente com as duas.

Com a primeira, então, a aprendizagem tende a ser ainda mais marcante do que com a felicidade. Esta última, se entendida superficialmente, pode levar à acomodação e à falta de atenção com questões fundamentais. A dor, não! Ela impõe um tipo de consciência quase que orgânica; ela fica nas memórias da pele, da mente e do espírito.

Uma história acontecida numa cidade mineira chamada Cajuri me fez acreditar ainda mais nisso tudo. Atualmente com cerca de 75 anos e bastante conhecido pela população local por suas qualidades de benzedor, ele me contou como a vida é capaz de ensinar através da dor e da implacável ironia do destino. Profundo entendedor do poder das ervas e das orações que curam, há mais de cinco anos ele experimentou as conseqüências de seus próprios atos.

Numa certa tarde saiu para pescar com a esposa em um rio das redondezas. Como fez tantas vezes, escolheu um cantinho para ficar, lançou a vara de pescar na água e aguardou pacientemente que algum peixe mordesse a isca. O mesmo fez sua esposa num local perto dali.

Cerca de uma hora depois o balde da mulher já estava com um número considerável de peixes, enquanto o seu continuava como chegou. Atribuindo a situação ao lugar onde se encontrava, propôs à esposa uma troca de posições. Assim foi feito. Apesar disso, tudo continuou tal e qual: o balde da mulher enchendo cada vez mais, e o seu absolutamente vazio.

Faltando pouco tempo para escurecer e vendo que nada mudaria, o homem brincou dizendo que não aceitaria aquela vergonha de voltar para casa sem um único peixe, enquanto a esposa já estava com seus troféus garantidos. Ele resolveu, então, lançar uma tarrafa (rede de pesca circular, de malha fina) que havia levado, mas que não pretendia usar. Minutos depois dela ter mergulhado fundo nas águas, foi puxada para a superfície sem um único peixe, mas com um objeto metálico reluzente. Era um “alicate turquesa” (usado normalmente para cortar arames grossos) que, segundo o benzedor, parecia ter saído da loja de tão novo.

Eis o que parecia ser uma sorte bem maior do que a da mulher! Não demorou dois dias para que a turquesa fosse usada por ele para uma tarefa um tanto incomum em se tratando desta ferramenta: cortar a dura unha do dedão do pé. Um deslize, e o alicate provocou um corte aparentemente sem importância. Este foi se agigantando até virar uma ferida que, um mês depois, o levou ao hospital para que o dedo fosse amputado. O problema se avolumou ainda mais até culminar na amputação da perna abaixo do joelho, o mesmo acontecendo algum tempo depois com parte da outra perna.

Analisando o que lhe aconteceu, o homem disse com o seu linguajar simples que as respostas para os mistérios da vida estão em entrelinhas nem sempre compreensíveis ao primeiro olhar. O que seria um prêmio inesperado na tarde de má sorte na pescaria foi, na verdade, uma triste sentença. A turquesa cortou mais do que uma parte do seu corpo. Ela provavelmente também serviu para extirpar sentimentos bem mais corrosivos: a vaidade e o orgulho.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 14/06/2008
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