Minha vida de princesa

Aproveito minha jaula para escrever.Colocar minha vida vazia para fora alivia, espairece minha mente tão agitada por pensamentos desconexos que se conectam no vácuo de sentimento que é meu pobre coração. Estar em casa como num castigo infantil enquanto os outros aproveitam suas decrépitas liberdades dói fundo em mim, e a revolta alimenta o vazio mais do que se pode imaginar. Lágrimas rolam face abaixo acarinhando meu rosto, e eu, revoltada, me estapeio para eliminar a delicada carícia da dor. Prefiro os sofrimentos mais fortes, os venenos mais poderosos, os cortes mais profundos, as dores que jamais cicatrizarão.

Páro por um segundo e as lágrimas cessam. Sou tomada por um momento de lucidez, mas dói e logo percebo que meu discurso é batido e que não suporto a dor, então volto a chorar, porque até aquilo ouso dizer é falso. Tento descobrir a verdade dentro de mim, mas ela está enterrada sob anos de falsidade. Meus os estão vendados; se os abro, fico cega pela luz.

A ânsia pelo fim habita meu interior, quero a decadência, o baixo, o vil, o perverso. Meu mundinho de cristal está rachado há séculos, mas ninguém percebe, e pela fenda espio o mundo de fora, o seu mundo. Ria da princesinha, a boba princesinha que tudo aceita e não reclama, que não reluta, que não vai contra. O que está por dentro ninguém conhece e talvez nunca vá conhecer, pois faz parte do meu demoníaco interior rir da sua cara babaca que me julga por ser uma coisa, sendo que na verdade sou o extremo oposto, porém oculto.

Vocês não fazem idéia de quem realmente sou. Há muitas de mim. Jaqueline Sant’ana que escreve sobre Jaqueline S., Jaqueline S. que sofre junto a J. S., Jaqueline Sant’ana que abriga Jaque, J.S. que é a verdade por trás de todas as outras, Jaqueline S. que choca Jaque, tudo isso simplesmente eu. Cada lado que se revela quando quer e quando bem entende. Não se surpreenda se não me entender ou se minha fala soa confusa: é isso o que sou, confusão compactada que se expande e extravasa, confundindo e sendo confundida.

É um suplício viver minha vida de princesa oca. Quando as luzes se apagam, posso finalmente chorar, e a maquiagem escorre junto com as lágrimas, e no fim de tudo estou tão simplesmente esgotada e acabada... Seria esse rosto borrado a verdadeira face de J.S, de Jaqueline Sant’ana, de Jaque, de Jaqueline S. ?

JaquelineS
Enviado por JaquelineS em 25/01/2006
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