Alicerce do amor

Passada a euforia do amor jurado no Dia dos Namorados, uma pequena reflexão sobre o ingrediente imprescindível de um relacionamento.

Sem cumplicidade, não dá. A cumplicidade nasce do amor, mas não o substitui e nem pode ser substituída por ele. São irmãos gêmeos, mas com personalidade própria. A convivência pode levar à simples tolerância vazia ou ao inferno; havendo cumplicidade, é um aprendizado constante, um “sim” para a vida. O respeito é mais do que importante, mas ele sozinho pode afastar ou deixar a relação fria; se os dois são cúmplices, o respeito se dá o direito de falar e o dever de ouvir e ponderar.

Quem é cúmplice procura a flor mais bonita para dar à bem-amada, mas só fica bem feliz quando os dois estão juntos, cuidando do jardim. Quem é cúmplice compreende os momentos, mesmo que não concorde, e faz tudo para que sejam sempre melhores. Quem é cúmplice quer compartilhar tudo, um livro, uma música, um problema, uma dúvida, uma certeza, a salvação do mundo, e se sente vazio enquanto isso não acontece. Quem é cúmplice busca forças até onde elas não existem, mas tem coragem de chorar e mostrar fraqueza. Quem é cúmplice é fiel, com ou sem tentações, e coloca o outra pessoa acima de tudo e de todos.

Cúmplice tem a noção exata da necessidade do outro e não se furta a atendê-la. Manicure, futebol, roda de fofoca, hora extra deixam de ter prioridade quando a necessidade do outro chama.A cumppli

Nas pequenas e nas grandes coisas a cumplicidade se manifesta, mas é nas dificuldades é que ela é posta à prova: quando aparece a doença, quando falta dinheiro, quando há problemas com os filhos, quando os interesses se conflitam. O relacionamento que não resiste a isso, não resiste muito; está fadado ao fracasso.

Como um dos palestrantes em um curso em Buenos Aires, com alunos de vários países, coube-me, ao final, numa conversa que chamávamos de aconselhamento, atender a um argentino. Perguntei a ele por que era tão quieto, característica não muito peculiar aos de sua nacionalidade. “Sou guarda florestal na Patagônia, moramos eu e minha mulher num lugar afastado de tudo e acostumamo-nos com isso; ficamos horas sentados, de mãos dadas, sem conversar, apenas ouvindo o silêncio da mata”. Na hora imaginei a cena; mais de 20 anos depois ela ainda está na minha memória. Eram cúmplices, no silêncio, na tempestades ou na sinfonia.