Cacharrel nas noites do Politeama

Estudava no Barbalho, dormia no Politeama, fazia refeições na pensão de Anísia, na Piedade, tomava cachaça no Canela e andava procurando festa desde a Ladeira do Jacaré até a Barra.

Essa era a rotina montada para viver aqui em Salvador no início dos anos 70. Morava no pequeno kitinete do Politeama com os meus irmãos Pepone e Michele, e o primo Fernando Sarno. Eu dormia na parte de cima do beliche, Michele na parte de baixo. Pepone numa cama com o pé feito de tijolos e, do outro lado do quarto, Fernando numa cama de campanha, dobrável, aquela feita com tiras plásticas coloridas.

No centro do quarto havia uma mesa com o tampo verde, herdada do mobiliário do antigo Banco do Brasil de Poções, e uma estante feita de blocos com prateleiras de madeira agreste. Sobre a estante, havia um cofrinho da caderneta de poupança ASPEB, com o formato de casa, onde Pepone guardava as suas economias para se casar. Habilidosamente, com uma faca, eu retirava algumas moedas, suficientes para um ou dois cigarros pra fumar durante a semana. Depois, ele resolveu descobrir quem pegava as moedas e passou a colocar um fio de cabelo no rasgo da casinha e acabou a moleza. Para compensar, deixava sempre um Continental sem filtro.

Na pequena cozinha havia um fogareiro a gás, a geladeira pequena e nada mais. Fazíamos reforçadas “gororobas” à base de carne do sol, farofa de ôvo, o famoso “treco” – tomate maduro frito com ovos - e sopa de qualquer sobra de geladeira.

Havia um pequeno depósito debaixo da escada, voltado para uma área aberta, que a gente denominou de cafua, pois ali eram guardados os livros, o engradado de garrafas de cerveja e todo tipo de tralha.

Aquele pequeno kitinete era um mundo. Cada um sabia fazer o bom uso sem incomodar o outro. O único a nos incomodar era um senhor baixinho que morava com a mãe no primeiro andar e toda vez que chegava ia logo se dependurando na janela para conversar com quem estivesse de papo pro ar. Vez em quando, nosso inseparável radinho de pilhas ficava fora de sintonia e Fernando gritava: - sintoniza, bicho!!!!

Aos sábados, liberdade total, depois das 10 rolava a cachaça com os amigos. Eram farras homéricas, começavam ali e só terminavam no Língua de Prata, em Itapoã. Cada um levava sua contribuição – uma garrafa de bebida.

À noite, o kitinete do Politeama era o ponto de encontro para irmos às festas. Todo mundo andava arrumado, perfumado e com pouca ou quase nenhuma grana. No máximo para rachar o taxi na volta ou comprar uma carteira de cigarros, onde tinha que sobrar para o resto da semana. Na volta, bem tarde, o amigo que tivesse dificuldade de retornar para casa podia dormir num colchão aberto no meio do quarto.

Nesta semana eu estava contando a história quando me lembrei de uma blusa cacharrel, cor marrom, de balon, que eu vestia nas festas de sábado à noite. Na verdade, me lembrei dos trejeitos que fazia para treinar o comportamento nas festas.

Durante a semana, logo que anoitecia, eu vestia a blusa, penteava os cabelos longos usados naquela época e acendia o Continental sem filtro. Fazia gestos de como pegar no cigarro, passava a mãos jogando o cabelo para fora da testa e até mesmo como soprar a fumaça. Fazia cara de malvado, cara de bêbado, de bom moço de olhar fulminante e apaixonado.

Na maioria das vezes dava certo, difícil era conseguir sustentar o romance. Assim, levávamos a vida estudando e nos divertindo na capital.

luiz.sangiovanni@gmail.com

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 18/06/2008
Reeditado em 19/06/2008
Código do texto: T1040507