PÉS, CRÔNICA DEDICADA À PROFESSORA NORMA ASTRÉA, DO RECANTO DAS LETRAS

Pés e cabelos são muito importantes. Já nascemos com tal certeza. Mente quem disser que aprendemos com o cinema. A mulher já vem com a idéia anotada no DNA. Não é preciso se fazer pesquisa para comprovar. Aqui vai o meu depoimento nesta crônica que dedico à professora e escritora, Norma Astréa, integrante do Recanto das Letras. Norma tem uma crônica sobre os pés de Cinderela na qual narra as pequenas desventuras dos seus próprios pés.

No meu caso, foi o seguinte. Alguma lembrança entre tantas que povoam sem etiquetas de referência a minha memória, tem a ver com uma pessoa que me disse: “O pavão é um ave belíssima, mas não olha para os pés porque se olhar morre de desgosto”. Até aquele dia eu era um misto de Narciso com pavão. Temi olhar para os pés porque já havia olhado e botei para esquecer, fingi não ter acontecido aquilo para não morrer, como o pavão. Continuei sem olhar e já contrariada fui ver as gaiolas de pássaros no parque e lá estavam os pavões, cheios de cores, empáfia e incrível beleza. Tive raiva deles também. Cheguei bem perto da tela de proteção e ao mais próximo murmurei: “Olhe para os seus pés, olhe, olhe e olhe”. A ave fez cara de nojo, abriu o leque e foi se afastando.

Não sendo de correr dos problemas, voltei me convencendo de que teria que olhar para os pés. Meu Deus, horror dos horrores! Eu já sabia e não queria viver de novo aquela sensação de nem-sei-de-quê. Olho? Não olho? Eu vou é voltar lá naquela gaiola e puxar o pescoço daquele pavão.

Chegando cada vez mais perigosamente perto de casa onde havia penteadeiras com espelhos enormes, longilíneos, outros miseráveis que me diriam a verdade que eu não queria ouvir e nem ver. Quebraria os espelhos. Se eu tinha como ver os pés, porque precisaria de espelhos? Daria a eles o gosto de me responderem com algo terrível:

“Seus pés são compridos, magros, achatados, calcanhares muito estreitos, feios mesmo. Você deveria usar botas ortopédicas”.

Logo eu que queria pés de japonesa. Eu os amarraria. E os amarrei em sapatos apertados. Inúmeras vezes voltei de festas com os sapatos nas mãos e a tristeza na cabeça e nos cabelos também. Não eram lisos como eu queria e a moda exigia. Eram volumosos, ondulados. Hoje tenho consciência do quanto eram diferentes dos meus pés os meus cabelos, mas é tarde, Inês é morta. Eu os destruí com o calor dos secadores e agora com as tintas da imaginação que não aceita vê-los embranquecidos.

E os pés? Esses amigos fiéis estão do mesmo jeitinho, mas firmes, e me levam por aí, pelo mundo. Não demonstram sofrer complexo de rejeição, pois sempre que os convoco, atendem prontamente e, contrariando as informações da medicina, eles não me deixam cair, mesmo sendo pés-chatos. Mas feiinhos, isto são.