DOS TEMPLOS E DAS RUÍNAS

TEMPLOS EM HEIDEGGER E RUÍNAS EM BENJAMIN

Os olhares dos filósofos alemães Martin Heidegger e Walter Benjamin, no que se refere aos estudos sobre a obra de arte, parecem convergir para um mesmo ponto. Sobretudo, quanto ao aspecto dos “... paralelos temáticos entre os pensamentos de Heidegger e Benjamin são impressionantes.” (Cf. CAYGILL, Howard. “Benjamin, Heidegger e a Destruição da Tradição”, 1997)

Em meio à constelação de temas abordados, por ambos filósofos, sobre a obra de arte, destacam-se as reflexões a respeito da tradição, da origem, da tecnologia e da arte no contexto da experiência cotidiana da Modernidade.

Contudo, é no âmbito do alcance das duas propostas teóricas que encontramos significativas divergências entre os dois estudiosos.

Se, para Benjamin, a tradição tem um caráter destrutivo, é inautêntica e identifica-se com a destruição e, por conseqüência disso, a obra de arte é uma ruína, e a possibilidade de acesso ao eterno só se dá pela via alegórica, então“ ... a história não constitui um processo de vida eterna, mas de inevitável declínio. Com isso, a alegoria reconhece estar além do belo. As alegorias são no reino dos pensamentos o que são as ruínas no reino das coisas. Daí o culto barroco das ruínas. Borinski (...) está consciente disso. ‘A fachada partida , as colunas despedaçadas , têm a função de proclamar o milagre de que o edifício em si tenha sobrevivido às forças elementares da destruição, do raio e do terremoto. Em sua artificialidade, essas ruínas aparecem como o último legado de uma Antiguidade que no solo moderno só pode ser vista, de fato, como um pitoresco monte de escombros’...” (in BENJAMIN, Walter. “Origem do Drama Barroco Alemão”)

Por outro lado, no estudo “A Origem da Obra de Arte”, Martin Heidegger define que o momento de origem pode permitir que as coisas e os eventos sejam revelados. Nesse sentido, o momento de origem é, portanto, um momento de claridade e decisão resoluta. Sobre isso, Heidegger afirma que a “origem significa aqui aquilo a partir do qual e através do qual uma coisa é o que é, e como é. Ao que uma coisa é como é, chamamos sua essência.” Assim, recuperando os gregos da Antigüidade, Heidegger, no retorno à origem, visa atingir o Ser ou a essência da coisa; ou, no caso específico da historiografia, o próprio passado, todo ele coerente, em toda a sua plenitude.

Em contrapartida, em “A Origem do Drama Barroco Alemão”, aos olhos de Walter Benjamin “... o termo ‘origem’ não designa o ‘vir-a-ser’ daquilo que se origina, e sim algo que emerge do ‘vir-a-ser’ e da extinção. A origem se localiza no fluxo do ‘vir-a-ser’ como um torvelinho, e arrasta em sua corrente o material produzido pela gênese.”

Por fim, noutros termos, e diferentemente de Heidegger, a origem, para Benjamin, se relaciona com a destruição. Por conseguinte, a interpretação ou o trabalho hermenêutico em torno das obras de arte deve decifrar, apenas, cintilações ou algumas letras perdidas. Noutras palavras, deve juntar as coisas, ou melhor, juntar os fragmentos da obra - estilhaçada através dos tempos; ou ainda, perseguir os rastros. Nesse caso, unindo alguns cacos, e não levando em consideração a cronologia, a idéia do passado - no interior da concepção alegórica benjaminiana da história - não visa a busca das fontes, da origem, visto que tudo está irremediavelmente perdido, mas visa a busca de novos significados, por exemplo, num fragmento, em meio a um amontoado de ruínas sobre ruínas, de fragmentos sobre fragmentos - que é o passado para Walter Benjamin!

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

verão de 2006