O CHORO DA CRIANÇA TRISTE

O choro da criança triste faz doer os tímpanos e dilacera o peito de quem o ouve. É um choro diuturno, perene, insistente. É o mesmo choro que nos acompanha desde a mais tenra infância e ronda os lares infelizes, carentes de diálogo, de compreensão, de satisfação e de calor humano. O choro da criança triste não cala.

Virá a adolescência, a maturidade, a velhice. Virão a lume mundos, povos e culturas diferentes. Conhecimentos científicos serão adquiridos, crenças serão professadas; experiências de toda sorte serão vivenciadas. Os prazeres, desde os amplamente permitidos até os proibidos, serão experimentados. Mas não cala o choro. Não cala o choro da criança triste – ele pode até não ser ouvido, mas não cala: é inesgotável, inexplicável e, inexoravelmente, de alguma forma estará sempre presente.

O grito rancoroso do pai autoritário, o desabafo lamurioso e inconseqüente da mãe insatisfeita, a explosão da professora tecnicamente despreparada, a agressividade do colega emocionalmente desequilibrado, a brincadeira ofensiva do tio recalcado, tudo isso se condensa, sedimenta e dá origem ao inexaurível choro da criança triste.

O choro da criança triste que nos entra pelos ouvidos é o mesmo choro da criança triste que habita nosso peito. Nossas revoltas, não são revoltas; nossas taras, não são taras; nossos temores, não são temores; nossos cacoetes, não são cacoetes. Nossa agressividade, não é agressividade; nosso desejo de espezinhar e maltratar o outro, não é maldade ou sadismo. Tudo isso é tão-somente o choro da criança triste que nunca cala.